Por Carolina Cortez | De São PauloNa
esteira de universidades internacionais renomadas, como Harvard e
Massachusetts Institute of Technology (MIT), instituições brasileiras de
ensino superior têm apostado no desenvolvimento de plataformas de
cursos gratuitos on-line, abertos ao público, os chamados Moocs (Massive
On-line Open Courses). Embora universidades como USP, Unesp e Unicamp
estejam lançando seus programas sem grande alarde desde meados do ano
passado, a expectativa é que eles atinjam um público cada vez maior - e
globalizado. Mesmo que as iniciativas sejam recentes, os coordenadores
dos cursos vislumbram utilizar os Moocs como ferramenta para
internacionalizar as faculdades brasileiras.
A Unesp e a Unicamp,
por exemplo, pretendem legendar as aulas na internet em espanhol e
inglês. As instituições geralmente colocam em seus sites materiais
produzidos de forma independente pelos professores, com a infraestrutura
tecnológica já existente para os cursos a distância. "Alguns dos nossos
docentes já utilizavam videoaulas nas turmas semipresenciais, então
resolvemos juntar todo o material e criar o nosso Mooc", afirma o
professor Klaus Schlünzen Junior, coordenador do Núcleo de Ensino a
Distância (Nead) da Unesp. O site Unesp Aberta, que traz módulos
gratuitos e abertos para o público, foi lançado em junho de 2012 e conta
com 72 cursos de diversas áreas - já assistidos por mais de 32 mil
usuários.
Segundo Schlünzen, embora os Moocs ainda enfrentem
diversos entraves, como a resistência do meio acadêmico em confiar na
tecnologia para a disseminação do conhecimento, a tendência é que a
educação faça cada vez mais uso de ferramentas digitais. Nesse sentido, é
preciso estar preparado para acompanhar as demandas dos alunos em
âmbito global. "O Brasil tende a caminhar para um modelo híbrido, que
mistura tecnologia ao método presencial. A forma de aprendizagem deve se
tornar cada vez mais individual, permitindo ao aluno mais mobilidade",
diz o coordenador. Para ele, será possível, em um futuro próximo,
assistir a diversos módulos em instituições diferentes e utilizar os
créditos no histórico escolar, por exemplo.
Além disso, os cursos
devem se tornar mais interativos. Hoje, a maioria dos módulos
disponíveis na internet é composta de aulas expositivas gravadas em
vídeo. O objetivo, contudo, é chegar a um modelo em que o aluno possa
fazer perguntas ao professor e debater com colegas conectados naquele
momento.
Nas grandes universidades internacionais que aderiram aos
Moocs o sistema é parecido com o brasileiro, embora as instituições
estejam "um passo à frente das nossas", conforme destaca Schlünzen. Lá,
os vídeos publicados geralmente possuem ferramentas de interação com o
usuário, como questões de múltipla escolha para serem respondidas
durante a aula. Os professores também recebem dúvidas dos alunos e, em
alguns casos, até emitem certificados de conclusão do módulo - embora
ainda não tenham validade no mercado, pois não é possível comprovar que a
pessoa que solicita o documento assistiu, de verdade, aos cursos.
A
impossibilidade de verificar a identidade dos usuários impede que as
universidades brasileiras emitam certificados de conclusão de um Mooc.
Entretanto, as universidades públicas estudam meios de tornar isso
possível. "O próximo passo é garantir que o aluno seja avaliado",
destaca Marcelo Knobel, pró-reitor de graduação da Unicamp. Para ele, o
maior entrave no Brasil é a infraestrutura. "Produzir o material que
será publicado gratuitamente é caro e não há uma verba só para isso.
Entretanto, é um investimento que traz benefícios. Temos vídeos que
foram acessados por mais de 25 mil pessoas", diz.Knobel pondera que a
modalidade ainda é utilizada no país de forma experimental, pois é uma
ferramenta nova e que ainda gera polêmica no meio acadêmico. "O uso das
tecnologias na educação é uma tendência inevitável", diz.
A
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) tem apoiado iniciativas que envolvem Recursos Educacionais
Abertos (REA) no Brasil - materiais de ensino e pesquisa licenciados sob
domínio público, que podem ser utilizados ou adaptados por terceiros. A
instituição acaba de lançar uma cátedra com a Unicamp que tem como
objetivo tornar público e disponível em rede uma série de materiais de
apoio para serem utilizados por professores em sala de aula. No que
compete aos Moocs, especificamente, a organização ainda não apoia
projetos no país, entretanto, reconhece que iniciativas que buscam
disseminar conhecimento são importantes, principalmente em economias
emergentes.
"O maior desafio hoje das ferramentas abertas é
acompanhar a evolução do aprendizado. Os Moocs são viáveis no Brasil,
mas precisamos descobrir ainda quem é esse público e desenvolver
programas voltados às suas necessidades", diz Adauto Cândido Soares,
coordenador de comunicação e informação da Unesco. No país, os Moocs
poderiam, na opinião de Soares, ser úteis para os alunos que deixaram o
ensino médio e ainda não cogitam seguir para as universidades.
Atrair
futuros alunos para os cursos de graduação e pós-graduação pagos é um
dos motivos que levaram a Fundação Getulio Vargas (FGV) a investir nos
Moocs. Por meio da FGV Online, plataforma que existe há cinco anos e
traz cursos pagos on-line, a instituição passou a divulgar 48 módulos
gratuitos em diversas áreas, como direito tributário, sustentabilidade,
inovação e gestão de pessoas. Cinco aulas, inclusive, estão legendadas
em espanhol. "Queremos começar nosso projeto de internacionalização por
meio do espanhol para atingir o público latino-americano. Depois
pretendemos incluir legendas em inglês", explica Stavros Xanthopoylos,
diretor da FGV Online.
Embora não seja possível mensurar quantos
alunos a FGV conseguiu levar para os cursos presenciais utilizando os
Moocs como chamariz, há diversos projetos em análise para desenvolver
essa ferramenta, com expectativa de retorno financeiro. "O nosso MBA de
RH on-line é pago e um dos mais acessados do site. Com base nisso,
podemos abrir o curso gratuitamente, na internet, transformando-o em um
Mooc. Quem quiser certificado, por exemplo, poderá pagar pelo serviço de
tutoria e aplicação de provas presenciais. Há diversas oportunidades
dentro dos módulos gratuitos e abertos ao público", afirma Xanthopoylos.
Ao
todo, 16 milhões de usuários já acessaram os cursos online da FGV. Para
os Moocs, que são, por definição, gratuitos, não é possível emitir
certificado. Mas Xanthopoylos acredita que neste problema mora outra
oportunidade de negócios. "Os alunos interessados em ter um documento
comprobatório de conclusão do curso poderão, no futuro, submeter-se a
uma prova presencial, que validará o conhecimento adquirido e comprovará
que foi ele mesmo quem assistiu às aulas", complementa.
Com nove
mil acessos por dia, o e-Aulas, site de cursos on-line gratuitos da USP,
completa seis meses em maio. A iniciativa já ultrapassou a marca de mil
módulos publicados. Destes, 780 partiram de aulas já gravadas para
cursos semipresenciais da instituição. Outros 300 vieram de produções
espontâneas do grupo de professores da maior universidade da América
Latina. "Nos lançamos por último nessa onda de Moocs, mas queríamos
garantir que conseguiríamos publicar um material extenso e de alta
qualidade", diz Gil da Costa Marques, diretor de mídias digitais da USP.
Ele explica que hoje é possível assistir a diversos módulos, mas o
objetivo é abrir cursos inteiros. "Não queremos dar aulas de graça
apenas sobre as leis de Newton. Queremos cursos completos sobre
mecânica", diz.
Marques destaca, porém, que a produção de Moocs é
mais complexa que a de aulas semipresenciais, pois é preciso dar aos
alunos mais suporte. "O ideal seria o modelo de tutoria, mas como o
curso é gratuito não é possível bancar um profissional para isso. Mas
podemos tornar os vídeos mais dinâmicos e interativos, oferecendo
materiais extras de apoio, testes, simulações de problemas", destaca.
Para
o diretor de mídias digitais da USP, o ideal seria também dedicar um
tempo para tirar dúvidas dos alunos, e não restringir os debates aos
fóruns. "Uma sala virtual pode ter mais de 10 mil alunos, o que é bem
diferente de uma turma presencial. Temos muito o que aprender ainda no
que compete à produção de aulas virtuais para o grande público, mas é um
passo necessário para a democratização e universalização do ensino",
defende Marques.
Plataforma reúne módulos de escolas de fora e locais
De São Paulo
Uma iniciativa que pode
contribuir para a disseminação dos Moocs no Brasil é o Veduca, site que
reúne diversos módulos de instituições nacionais e internacionais
(legendadas em português), nos moldes do Coursera. A plataforma, lançada
em março de 2011, já foi visitada por mais de 1,5 milhão de usuários da
internet e pretende ampliar o serviço no segundo semestre. O objetivo é
levar o Veduca para estudantes da América Latina e emitir certificação
de conclusão.
O site reúne módulos de Moocs já existentes em
universidades como Harvard, MIT, Columbia, NYU, Stanford, UCLA e, mais
recentemente, da USP, Unicamp e Unesp. O Veduca recebeu um aporte
inicial de R$ 1,5 milhão, bancado por um investidor anjo e três fundos
de investimento internacionais- Macmillan Digital Education, 500 e
Mountain Partners.
A iniciativa ainda não é rentável, mas o
negócio é promissor, segundo Carlos Souza, sócio e idealizador do
Veduca. Embora os cursos sejam sempre gratuitos, a empresa está
negociando uma parceria para emissão de certificados, validados pelo
Ministério da Educação (MEC). "Estamos fechando acordo com uma
instituição que fará essa intermediação das emissões. Um grupo privado
nos cederá salas de aula onde serão realizadas provas.
O estudante
assiste à aula on-line e gratuitamente, mas terá a opção de pagar para
ter o documento comprobatório", explica. Será possível, por exemplo, ver
uma videoaula de direito de Harvard, legendada no site do Veduca, e
realizar uma prova aplicada por uma universidade brasileira parceira. No
fim, a pessoa poderá ter um certificado dessa instituição local,
atestando que adquiriu conhecimentos naquela área.
O Veduca também
quer oferecer sua infraestrutura para instituições que querem ingressar
nos Moocs. "Podemos alugar o estúdio, a tecnologia, o especialista que
opera as máquinas e que edita o material", afirma Souza. (CC)