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sábado, 27 de julho de 2013

Educação: 242% a mais por produto


27/07/2013
INVESTIGAÇÃO Contrato firmado pela secretaria da Educação com a Ideia Digital gerou prejuízo de R$ 1,3 milhão ao Estado
Bruna Serra
Débora Duque
Ao aderir à ata de registro de preços da Prefeitura de João Pessoa (PB), o governo de Pernambuco adquiriu equipamentos com valores superfaturados da Ideia Digital. Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) constatou altos índices de sobrepreço em pelo menos 24 dos 75 itens cotados na ata paraibana que foi utilizada como referência pela secretaria de Educação em contrato firmado em 2011 com a mesma empresa. A reportagem do JC verificou que um dos produtos dessa lista foi comprado pela pasta por um custo 242% maior que o valor de mercado, conforme análise da CGU.
O contrato (nº 38/2011) inclui a aquisição de "Unidade Assinante Ponto de Acesso - Tipo I" por R$ 3.082,00 (preço unitário). Na cotação feita pela CGU, o custo original do produto é de R$ 899,11. Como o contrato previa a compra de 600 unidades, foi gasto pela secretaria de Educação o montante de R$ 1.849.200,00 quando, na verdade, o preço de compra deveria ter sido R$ 539.466,00. A diferença significa um prejuízo de R$ 1, 3 milhão aos cofres públicos estaduais neste item.
Esse mesmo contrato, que totalizou R$ 5.264.431,60, também previu a aquisição de outros quatro tipos de produtos, também tomando como referência os preços fixados na ata da Prefeitura de João Pessoa. Não foi possível verificar se esses preços estavam superfaturados porque a análise da CGU sobre essa ata não contemplou tais itens. Conforme consta no relatório, o órgão se deteve a analisar os valores dos equipamentos cujas notas fiscais foram apreendidas.
A secretaria estadual de Educação firmou outros dois contratos com a Ideia Digital. Nesses dois casos, no entanto, não foi feita a adesão à ata de João Pessoa. Em um deles (nº 107/2011), no valor de R$ 4.378.430,00 foram utilizados os preços já praticados pela Prefeitura de Botucatu (SP), que também foram colocados em suspeição pela CGU e pela Polícia Federal. Com o surgimento das primeiras denúncias contra a empresa e sua relação com entes governamentais, o governo do Estado resolveu suspender o contrato. Ainda assim, foram pagos R$ 4.356.470,00.
Já no terceiro e mais vultoso contrato (nº47/2011), optou-se por não aplicar a chamada "carona" em atas de registro de preços de outras localidades. A secretaria realizou um pregão presencial no qual a Ideia Digital saiu vencedora e foi contratada pelo valor R$ 67,8 milhões. A contratação também foi suspensa antes do término do prazo de vigência, mas, assim como no caso anterior, teve sua maior parte quitada (RS 41,6 milhões).
O JC ainda não teve acesso ao contrato firmado pela secretaria estadual de Ciência e Tecnologia com a Ideia Digital, no valor de R$ 2,179 milhões. Assim como no caso da secretaria de Educação, os documentos não estão disponíveis no Portal da Transparência do Governo do Estado. Na quinta-feira (25), o secretário da pasta, Marcelino Granja, informou, por meio de sua assessoria, que não liberaria a cópia do contrato para a reportagem. Na mesma noite, a secretaria reviu a decisão, mas disse que só forneceria o documento quando o JC encaminhasse solicitação formal. O ofício foi protocolado ontem.

Educação sem desperdício

27/07/2013
Um desrespeito bilionário contra as nossas crianças vêm sendo cometido por gestores, no mínimo, incompetentes. Como se já não fosse alarmante a qualidade da educação no Brasil, um dos serviços básicos com a pior avaliação, de consequências desastrosas para a sociedade, um estudo recente colocou mais lenha na polêmica ao abordar a qualidade dos gastos de prefeituras no ensino fundamental. De acordo com analistas da Secretaria do Tesouro Nacional, mais de 40% do dinheiro destinado pelos municípios pode estar indo pelo ralo. A estimativa gerou controvérsia, especialmente sobre a base de dados utilizada, mas o escândalo que suscita traz um problema que não pode mais ser adiado: uma educação ruim é o retrato do desperdício - de potencial humano, de capacidade de mudança do poder público, e de oportunidades individuais e coletivas que se perdem.
Entre 2007 e 2009, dos R$ 54 bilhões aplicados no ensino fundamental em 4,9 mil cidades, quase R$ 22 bilhões teriam sido desperdiçados. Isso porque o índice de desperdício calculado oscila entre 40% e 47%, e o valor se refere ao percentual menor. Como o Plano Nacional de Educação (PNE) está para ser votado pelos senadores há dois anos, instituindo o patamar de 10% do PIB para os gastos públicos com ensino - o que praticamente dobraria o montante que foi destacado para o setor em 2011, de 5,3% do PIB - a discussão passa da quantidade para a qualidade dos investimentos.
Para obter o lastimável resultado de gastos pelos prefeitos, foi feita comparação entre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos municípios, que mostra o nível de aprendizagem, com os valores despendidos no ensino fundamental. A discrepância apareceu quando se cruzou a evolução do índice em proporção ao investido: quem gastou melhor, obteve resultados mais satisfatórios do que municípios que gastaram mais, sem o mesmo efeito positivo nas salas. A conclusão óbvia, é que não adianta dinheiro sem uma gestão adequada para destinação correta dos recursos. Para os técnicos do Tesouro Nacional responsáveis pelo estudo, a restrição que acomete a educação brasileira não é de natureza financeira. Oficialmente, o Tesouro, ligado ao Ministério da Fazenda, se posicionou contra as conclusões do trabalho, ressaltando que "qualquer simplificação sobre a qualidade do gasto nessa área pode levar a conclusões equivocadas e não amparadas pelos resultados aferidos pelo Ministério da Educação". O MEC também criticou o estudo, dizendo que há necessidade de recursos para elevar a qualidade do ensino.
Num País de governantes com mania de grandeza, que adoram exibir números diante de fatos inegáveis, vale aprofundar a questão da qualidade dos gastos públicos, não apenas na educação, mas em todas as áreas, para que o cidadão não continue a ver o seu dinheiro desperdiçado.

A corrupção nos concursos públicos acadêmicos

27/07/2013
PONTO DE VISTAPOLÊMICA
Professor critica ‘compadrismo ’ na seleção de professores universitários e aponta soluções para o problema, como a criação de comissão independente para o assunto
ANGELO SEGRILLO
Um segredo de polichinelo é que muitos concursos públicos para professores universitários não são conduzidos da forma impessoal e neutra como idealmente deveriam ser . Amiúde ocorrem casos de favoritismo de determinados concorrentes com o resultado que nem sempre o melhor ou mais preparado é o escolhido. Este é um problema pouco discutido abertamente, pois mexe em interesses e estruturas de poder acadêmico. Entretanto, é mister enfrentarmos esta questão. Nós, professores universitários, intelectuais em geral, frequentemente acusamos os políticos de patrimonialismo, de usar o público como se fosse privado, e de deixar interesses privados se sobreporem ao público.
Mas não será exatamente isso que ocorre nesses casos de favoritismo, nepotismo ou compadrio quando candidatos são favorecidos por estarem já conectados a alguma rede, grupo ou mesmo indivíduo local? Outra razão por que é importante este problema ser sanado é a seguinte . Nós, os professores universitários , os intelectuais , somos uma espécie de “grilo falante” da sociedade, a consciência que pensa criticamente e aponta erros e caminhos. Se nós aceitarmos este tipo de “patrimonialismo” entre nós, como poderemos criticar os políticos por fazerem o mesmo? É claro que nem todos os concursos são corrompidos, muitos concursos são honestos e a grande maioria dos professores age honesta-mente. Mas há um mal-estar entre alguns de nós de que o número de concursos “arranjados” passa, talvez em muito, o nível do mera-mente esporádico.
 Mas como resolver este problema? É muito difícil. Em um concurso público para professor universitário as discussões são de um nível tão alto e abstrato que, muitas vezes, fica complicado para pessoas de fora da área compreender quem, por exemplo, fez uma “boa” ou “má” prova. Além disso, em vários países o problema se apresenta de outras formas. Esperar uma reação puramente endógena, espontaneamente surgida dos próprios professores já estabelecidos, parece irrealista. A maioria tem medo de mexer em um “vespeiro” desses que envolve tantos interesses e estruturas de poder acadêmico que podem deixar marcados qualquer eventual whistle blower “criador de problemas”.
Um caminho diferente talvez seja possível. Aproveitando até o atual clima de insatisfação com todo tipo de corrupção no país, eu proporia a criação de um Movimento para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos Acadêmicos, reunindo todas aquelas pessoas da área acadêmica e da sociedade civil que considerem ser este problema sé-rio a ponto de merecer um tratamento em separado. Este grupo poderia estudar diferentes experiências mundiais no campo e propor medidas para tornar os concursos mais impessoais, impedindo “compadrios”. A partir daí este movimento deveria conclamar o Ministério da Educação a se juntar a esta batalha.
Como é delicado para o ministério, formado por professores universitários, “investigar” a própria classe, o ministro da pasta pode-ria propor a criação de uma Comissão Independente para Propostas de Medidas para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos Acadêmicos. Esta Comissão, a partir dos subsídios do movimento anterior , e ouvindo setores da sociedade civil e acadêmica, sugeriria uma série de medidas para melhoria nos concursos.
E o Ministério da Educação (assim como faz em programas como o Reuni) poderia usar o estímulo de financiamentos extras para as universidades que adotarem os padrões mais seguros de concursos públicos com as novas medidas propostas. Ou seja, uma espécie de IS O 9000 de concursos como condição necessária para financiamentos acadêmicos adicionais. Acredito que a diminuição da corrupção em concursos seguirá o padrão da melhoria em nosso sistema eleitoral: passará por um esforço de centralização e padronização de processos. Na República Velha brasileira as eleições, locais e heterogêneas, eram extremamente corrompidas, com muitas fraudes eleitorais.
Foi com a criação de uma justiça eleitoral central nos anos 1930, com padrões uniformes de segurança, que a situação começou a melhorar. Uma justiça eleitoral centralizada e independente até hoje é uma das razões dos nossos progressos nesta área. Igualmente, o Ministério da Educação deverá usar os incentivos que possui centralmente para estimular as universidades do Brasil a aderirem a este sistema mais seguro. Sem este estímulo mais centralizado de cima será difícil obter uma melhoria na situação de centenas de concursos fragmentados em estruturas locais de poder acadêmico, dispersas e independentes umas das outras.
Uma das medidas que podem ser tentadas é criar a figura do “inspetor” nas bancas de concursos: um membro da banca (preferencialmente de fora da área do concurso, para evitar pressões) cujo principal papel seria de verificar que o processo está ocorrendo de acordo com os padrões de impessoalidade e sem favoritismos.
SEM CAIR NA TENTAÇÃO DA CAÇA ÀS BRUXAS
O principal é que, aproveitando o atual momento de repensar o Brasil, venha à tona para discussão este problema dos concursos acadêmicos. E que se crie um movimento para encaminhamento de propostas de solução. Este será o passo mais difícil. Finalmente, um dado que considero essencial. Em todos estes movimentos, acho que o importante é discutir apenas medidas institucionais para melhorar os concursos vindouros.
De modo algum se deve cair na tentação da “caça às bruxas”, de buscar concursos no passado onde houve favoritismo. Isso só leva-ria a discussões de caráter pessoal, com dedos sendo apontados, mas com evidências difíceis de serem provadas. Em vez de perder tempo com mesquinharias pessoais do passado (o que dividiria o movimento e jogaria professor contra professor) deve-se concentrar em medidas institucionais, impessoais para melhorar os concursos do futuro. Considero este o caminho mais produtivo.

Angelo Segrillo é professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo

A ineficiência nos gastos educacionais

27/07/2013
:: João Batista Araujo e Oliveira

Um competente estudo realizado por técnicos do Tesouro Nacional a respeito de ineficiência nos gastos educacionais vem provocando reações veementes de vários setores que deveriam ser os primeiros a aplaudi-lo. Vale analisar o estudo e as reações.
O estudo mostra o que todos sabemos: gastamos muito mal em educação. Ninguém minimamente bem informado deveria ficar surpreso. O que é novo é a abordagem: o estudo mostra que com os mesmos recursos alguns municípios fazem muito melhor do que outros. A conclusão que desagrada: quem não faz mais é ineficiente. Uma simples aplicação de princípios básicos de economia e gestão. E que responde à inquietação das ruas.
Vamos às reações. As autoridades do Tesouro se apressam para desautorizar o estudo. Como diria o Millôr, livre pensar é só pensar&. O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, que deveria promover e estimular um debate fundamentado em evidências, concentra-se em discutir firulas metodológicas, em vez de reafirmar que este estudo corrobora muitos outros sobre o tema, e estimular o debate. A Confederação Nacional dos Municípios faz cara feia para agradar a torcida, mas é mais moderada e reconhece que há ineficiências. Quanto aos demais, é a lenga-lenga de sempre: educação precisa mais recurso, quem discute eficiência é contra educação.
Se não é o campeão mundial de desperdícios de recursos em educação, o Brasil é forte candidato ao título. Para cada 20 horas de aulas que os alunos têm, pagamos dois contratos de trabalho. De duas, uma: ou precisamos da metade dos professores ou esses poderiam ganhar o dobro do salário. O gasto excessivo com pessoal, por sua vez, torna o sistema disfuncional: não há recursos para investimento e custeio. Só com repetentes gastamos por ano R$ 18 bilhões. O programa Educação de Jovens e Adultos é um dreno de recursos que subtrai o Fundeb das futuras gerações.
A existência de duas redes de ensino num mesmo município, decorrente de um pacto federativo troncho, gera ineficiências brutais. A forma de alocação de recursos pelo governo federal, que privilegia transferências in natura vs. em espécie, constitui outro capítulo clássico de como desperdiçar recursos. O repasse intempestivo é outro fator que aumenta a tradicional gastança de final de ano. A troca de diretores de escola a cada dois anos ou menos impede qualquer continuidade na vida das escolas. Enfim: são políticas e regras, feitas pela mão do homem, que criam as ineficiências. A má gestão e a corrupção contribuem um pouco - mas são insignificantes face aos erros de pontaria.
As ruas reclamam por uma administração eficaz e transparente. O presente governo e os grupos que o apoiam incondicionalmente perderam a capacidade de ouvir, de refletir, de responder. As reações ao estudo do Tesouro são prova disso. Já que estamos em clima de campanha, resta ver como os candidatos a presidente se comportam diante do clamor dos fatos e do clamor das ruas.