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![]() | 24/03/2013 |
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CONEXÃO FUTURO
Ainda não somos como os Estados Unidos, Alemanha, Japão ou Coreia do Sul mas, aos poucos, começamos a trilhar o caminho que esses e outros países fizeram para construir seu futuro: aproximar universidades do mercado. De hoje até quarta-feira, o JC aborda vários aspectos dessa questão.
Os textos são de Angela Fernanda Belfort.
Eles não têm qualquer semelhança com o Professor Pardal, mas estão fazendo das universidades grandes laboratórios que produzem de softwares a equipamentos sofisticados, capazes de fazer radiografia em estruturas de linhas de transmissão, diminuir o impacto da variação de energia elétrica em máquinas industriais, gerar calor com menos consumo de energia. São inventos que saíram de projetos de pesquisa e muitos foram bancados por empresas. Resultado: as universidades do País estão registrando mais patentes, uma espécie de termômetro de quantos inventos produz uma sociedade. É apenas o começo de uma aproximação entre o mercado e o meio acadêmico, uma conexão que ocorreu em todos os países que se desenvolveram tecnologica, econômica e socialmente. Não se concebe um país de futuro promissor se sua economia está estruturada apenas em consumo interno ou exportação de produtos primários. Aos poucos, ainda em ritmo lento, o Brasil tenta deixar este modelo arcaico para, a exemplo das nações desenvolvidas, produzir conhecimento, bens com valor agregado. É o primeiro passo para o tão almejado crescimento sustentável.
Exemplos de parcerias se espalham nas universidades. Um deles é Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que testa todos os celulares da multinacional sul-coreana Samsung. Lá, são desenvolvidos softwares para os mais diversos fins, sistemas usados para fazer transações bancárias pelo telefone, aplicativos de computação móvel e de correio eletrônico. Esses produtos resultaram de pesquisas feitas em conjunto não apenas com a Samsung, mas com a Ericsson, Motorola, Itautec, HP, Megaware, Elcoma, Foxconn, entre outras.
A parceria com as empresas também traz outro bem precioso: a tecnologia. "Esse conhecimento não depende só do dinheiro e não tem como comprá-lo usando o recurso público. Sem esses projetos, nossa pesquisa seria mais teórica", resume o vice-diretor do CIn, André Santos. O centro está entre as cinco instituições de Ciência e Tecnologia que mais captaram projetos bancados por empresas via Lei de Informática, sendo a primeira entre as universidades. "Nos preparamos para isso", diz o diretor do CIn, Paulo Cunha. Em 2003, o centro criou uma estrutura para cuidar da aproximação com as empresas. Esse setor foi se profissionalizando e hoje oferece até gerente para cuidar da parte administrativa do projeto, enquanto o pesquisador se concentra na pesquisa e na atividade docente.
No ano passado, foram fechadas parcerias com 13 companhias, totalizando R$ 36 milhões para os projetos de pesquisa. Desses, R$ 34 milhões foram via Lei de Informática, sendo que R$ 18 milhões foram empregados em bolsas, contratação de funcionários e maquinário em 2012. O restante será desembolsado com o desenvolvimento do trabalho. Os recursos desses projetos vêm aumentando ano após ano e trouxeram impacto no ensino e na infraestrutura que o estabelecimento oferece aos alunos, como salas com ar-condicionado e laboratórios 24 horas.
Também no CIn, a dupla de professores-pesquisadores Judith Kelner e Djamel Sadok desenvolveu parcerias com empresas que resultaram em oito patentes, registrando a metodologia. O software em si não é patenteável no Brasil. Os registros engrossaram as patentes da empresa que bancou o projeto e não aparecem no ranking de propriedade intelectual da UFPE. Mas isso não é ruim. "Prefiro ter o projeto de pesquisa com os recursos que equipam os laboratórios e melhorar a formação de Recursos Humanos do que ficar com a titularidade da patente", defende Judith.
Saindo da informática para engenharia, o conhecimento gerado na tese de doutorado do professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPE Manoel Afonso de Carvalho Júnior foi a matéria-prima para um projeto de pesquisa firmado pela sua equipe e a Celpe. Foram aportados R$ 2,1 milhões desde a primeira pesquisa teórica, iniciada em 2001, até a fabricação do protótipo. Os recursos foram bancados pela distribuidora de energia. O resultado foi a patente de um reator saturado, equipamento implantado na subestação da empresa em Vicência, na Mata Norte. Ele diminui os efeitos das variações de tensão de curta duração em máquinas utilizadas pela indústria. "A vantagem dessa parceria é que se constrói um produto nacional sem a interferência de fora. O conhecimento gerado na universidade vai se transformar numa tecnologia nacional. Ainda é difícil conseguir uma indústria brasileira que enxergue no invento um futuro negócio e queira fazer a produção dos protótipos. Fui em três companhias, só a terceira se interessou em fazer o equipamento que está em teste", comenta Manoel Afonso de Carvalho Júnior. Se os testes derem certo, o equipamento deve ser fabricado em escala industrial.
A mola propulsora dessa interação universidade-empresa foi um conjunto de leis, como a do fundo setoriais (que obrigaram empresas que exploram serviços como produção do petróleo e geração de energia a investirem em projetos de pesquisa e desenvolvimento - P&D). A Lei de Inovação, a Lei do Bem e a de Informática também contribuíram decisivamente. "A Lei de Inovação contribuiu para um maior número de patentes das universidades. A patente é uma forma de atrair o investimento de empresas que queiram fazer uma inovação para o invento chegar à sociedade. Investir em resultado de pesquisa universitária é algo novo no Brasil. Precisa ter o apoio do governo e coragem dos empresários", afirma o diretor-executivo da Inova Unicamp, Roberto Lotufo.
A Inova Unicamp faz a gestão da propriedade intelectual da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No ano passado, a instituição bateu um recorde gerando 73 patentes, recolheu R$ 384 mil de royalties e licenciou 13 inventos para serem produzidos por empresas, além de produzir 29 registros de programas de computador (softwares). Os royalties são divididos entre inventores, departamentos e reitoria.
As universidades que ocupam os primeiros lugares na lista das patentes são as que organizaram melhor os seus Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), estrutura que surgiu com a Lei de Inovação, em 2005.
Além da propriedade intelectual, os NITs cuidam da transferência de tecnologia e da aproximação com o mercado. Na Inova Unicamp, quando os pesquisadores começam a prospectar um invento colocam algumas informações num sistema online, sendo iniciada uma pesquisa para um futuro patenteamento. Só inventos novos conseguem patenteamento. A agência tem 40 profissionais, incluindo 12 que atuam na área de propriedade intelectual e transferência de tecnologia.
Os NITs mais estruturados estão em universidades localizadas em Estados mais ricos, como os da USP e Unicamp, UFRJ e UFMG. Eles desenvolvem várias ações para estimular o patenteamento e fazer o licenciamento dos inventos. O NIT da UFPE é a diretoria da Inovação (Dine) que ainda está se estruturando. São 7 profissionais, incluindo um diretor e três coordenadores. O próprio reitor, Anísio Brasileiro, reconhece que a "Dine está em construção e há um processo de transição, com a universidade saindo de uma cultura na qual trabalhava fechada para uma cultura empreendedora".
A falta de estrutura dos NITs não é a único empecilho para os inventos saírem das universidades em número maior. Geralmente, os projetos de pesquisa aplicada produzem um protótipo. Para chegar ao mercado, eles têm que ser fabricado por uma empresa sob a licença da instituição de ensino. "O licenciamento é um problema. As empresas estão se mobilizando, mas ainda não é suficiente. Falta o desenvolvimento uma cultura de inovação no Brasil", comentou a chefe de gabinete da reitoria da UFRJ, Angela Uller.
Mesmo com os obstáculos, as parcerias entre empresas e universidades resultaram em mais recursos. "Hoje, os projetos (de pesquisa) têm mais conteúdo tecnológico, geram produtos, processos e são empregados mais recursos no seu desenvolvimento", explica Angela. Na UFRJ, os convênios com empresas destinavam cerca de R$ 300 milhões há cinco anos. Atualmente, esse montante fica em torno de R$ 800 milhões anuais.
A UFRJ tem 3.700 professores, dos quais 97% tem doutorado. Na UFPE, foram fechados convênios para projetos de pesquisa em R$ 85,4 milhões em 2008. No ano passado, esse montante chegou a R$ 113,2 milhões, sendo usados em projetos que incluem soluções para atender demandas de algumas empresas, como Petrobras e Chesf. A UFPE tem 2.532 professores, 75% têm doutorado e podem desenvolver convênios com empresas.
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