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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

"Escola Sem Partido ou Escola do Partido Único?"

Fonte: O Povo (CE)
25 de agosto de 2016

Além de a autoria pertencer a partidos de direita e de centro, 11 dos 19 proponentes representam alguma Igreja

O Programa “Escola Sem Partido” foi criado para combater uma suposta doutrinação política e ideológica em sala de aula e uma alegada usurpação do direito dos pais sobre a educação moral e religiosa dos seus filhos. Além da sua inconstitucionalidade, não há dados robustos nem estudos comprovados que confirmem as hipóteses do projeto. O próprio mapa das últimas eleições registra um avanço da direita no País. Se a realidade é essa, e se admitirmos que existe a tal doutrinação, parece óbvio concluir que é ela predominantemente à droite e não à gauche. Apesar do discurso sedutor, a proposta não é neutra. 

Além de a autoria dos projetos pertencer a partidos de direita e de centro, é clara a sua vinculação religiosa: 11 dos 19 proponentes representam alguma Igreja. No Ceará não é diferente, com o PL 273/15, da deputada Silvana Oliveira de Sousa (PMDB). Do sociólogo Émile Durkheim (e não de Marx), extraímos que uma sociedade democrática resulta de uma opção por conviver e coexistir, o que só é possível dentro de uma moral laica. Em uma democracia, não faz sentido exigir que os ambientes escolares, ofereçam aos estudantes apenas os valores religiosos, políticos e morais de suas famílias. Também não é acertado opor liberdade de ensinar e liberdade de expressão, como se os educadores, também cidadãos, não possuíssem igual direito.

O “Escola Sem Partido” vai na contramão de todo um avanço na construção de uma sociedade e de uma escola plurais, laicas e republicanas. É um atraso na educação democrática e no processo civilizador e emancipador de um povo e de um País. Esse modelo de escola é característico de regimes autoritários, um modelo educacional do qual o Brasil tem se distanciado desde o fim da ditadura militar, por meio de um processo que se afirmou, dentre outras medidas, com o fortalecimento de universidades públicas, com autonomia para o ensino, a pesquisa e a extensão, e com um conjunto de diretrizes educacionais que encampam princípios de uma educação democrática e de uma sociedade plural, justa e igualitária.

Com o golpe que se consolida e com o “Escola Sem Partido”, esse processo se interrompe, e se reinstala entre nós um regime de exceção com instrumentos típicos do fascismo, como a volta da censura de conteúdo educacional e a perseguição de educadores baseada em suas opiniões políticas. O projeto, ao contrário do que seus defensores pregam, tem propósitos ideológicos: o de reprimir a pluralidade e a emancipação humana e o de impor um pensamento único, o pensamento do establishment. O programa tem, portanto, partido.

Cynara Monteiro Mariano
cynaramariano@gmail.com
Professora da UFC e Vice-Presidente do Instituto Latino-americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)

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