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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

"Desafios da educação pública"

Fonte: O Globo 
26 de agosto de 2016 

As despesas de pessoal consomem 100% dos valores recebidos do Fundeb, quando o limite estabelecido pela legislação é de 60%

Um grande debate nacional começa a surgir no tocante à adequação de gastos públicos para a redução de déficit fiscal. A principal preocupação que se apresenta é que a meritória proposta de teto para os gastos públicos, a ser estabelecido estabelecida pelo governo federal, possa ser conduzida “engessando” alguns setores fundamentais, em especial a educação básica. Reconheço o esforço para conter gastos e melhorar a situação fiscal do país, estados e municípios. Entretanto, devemos analisar o quadro atual e relacionar algumas considerações.
Os números do último levantamento do IBGE nos revelam oscilações referentes ao acesso à educação e à permanência nos sistemas de ensino em diferentes idades, em especial com uma redução progressiva, que acontece a partir do ensino médio. É necessário, portanto, equilibrar esse quadro em médio prazo. Caso a aplicação de recursos diminua ou permaneça estática, encontraremos mais dificuldades neste processo para redução de desigualdades, principalmente no âmbito da educação básica, onde também se insere o ensino médio.
Em um processo de debates sobre as prioridades para aplicação dos recursos públicos, a educação é um dos maiores investimentos que podemos empreender para as novas e futuras gerações. Afinal, assim estabelecemos os alicerces para uma sociedade mais justa e equilibrada e, fundamentalmente, atingiremos patamares de competitividade em âmbito internacional. O aperfeiçoamento da capacitação de gestão de escola implica na intensificação da formação inicial e continuada com foco pedagógico, administrativo, de gestão de pessoas, no desenvolvimento e melhoria de mecanismos de controle social e na consequente melhoria da qualidade e transparência dos gastos.
A questão do financiamento da educação requer, portanto, uma melhor discussão em sua aplicação. Neste sentido, podemos citar a existência da percepção equivocada de que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) seja composto por recursos transferidos pela União. Nosso estado, por exemplo, não tem recebido recursos oriundos do Tesouro federal para o Fundeb. O governo do estado, através do seu ICMS e de suas transferências federais obrigatórias, tem majoritariamente financiado as atividades da educação, não só da rede estadual, mas de municípios do Rio de Janeiro. Enquanto isso, outros estados da Federação têm recebido transferências significativas da União.
No ano passado, de um total de R$ 5,7 bilhões repassados pelo governo do estado ao Fundeb, R$ 3 bilhões não foram utilizados na rede de ensino estadual, mas sim na rede dos municípios. Este montante representa 87% do valor que o estado gastou somente com a folha de pagamento dos servidores estaduais ativos da educação em 2015, que foi de R$ 3,5 bilhões. Ou seja, as despesas de pessoal consomem 100% dos valores recebidos do fundo — quando o limite mínimo estabelecido pela legislação do Fundeb é de 60% —, havendo ainda a necessidade de complementação de recursos do Tesouro estadual para a efetiva quitação destes gastos.
A diferença entre o que o Rio de Janeiro repassa ao fundo e o que recebe de volta para investir na rede estadual de ensino é chamada de “perda do Fundeb”. Ao passo que, para grande parte dos municípios fluminenses, o “ganho do Fundeb” — que é representado pela diferença entre o que contribui para o fundo e o que recebe de volta — tem percentuais significativos, em alguns casos superiores a 100%. É evidente que o governo do estado gostaria de contar com mais recursos para investimento em sua própria rede de ensino, assim como também é evidente que muitos municípios fluminenses dependem da atual forma de redistribuição dos recursos do Fundeb para implementar melhorias na educação. No entanto, quando observamos que alguns municípios ricos, como a capital, obtiveram, em 2015, um “ganho do Fundeb” de 224%, torna-se inequívoca a necessidade do debate do sistema vigente, com a consequente discussão da redistribuição de recursos para a educação.
Há outras questões pertinentes também. Um dos desafios que deve ser levado à reflexão é a definição da nova Base Nacional Comum Curricular que possa ser complementada por especificidades regionais e que não venha a tolher a liberdade quanto à forma de ensinar. É importante ainda definir novos sistemas de avaliação das políticas de educação, que alguns especialistas consideram ineficientes e pouco transparentes para determinados programas. Este é o caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e do Ciência Sem Fronteiras, que não deveriam ser extintos e, sim, aperfeiçoados. Assim, a partir de análises mais detalhadas poderemos saber quão efetivas são essas iniciativas, quais impactos acarretam no universo da educação e, com isso, poderemos eventualmente reorientá-las.
Wagner Victer é secretário estadual de Educação

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