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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Uma política de Educação construída a muitas mãos

07 de Dezembro de 2015

Plano Intersetorial articula diferentes agentes em um pacto para a melhoria da qualidade do ensino em São Miguel dos Campos (AL)

Fonte: Portal Porvir
Uma revolução enorme. É assim que a professora Dulcinéia Paulo da Silva, da Escola Estadual Rui Palmeira, define o que tem acontecido na educação de São Miguel dos Campos, a quase 60 km de Maceió (AL). As transformações são resultado de uma iniciativa inédita no município: a construção do Plano Intersetorial pela Educação de São Miguel dos Campos, que articula diferentes membros da comunidade, organizações e setores do poder público em um trabalho coletivo em prol da melhoria da qualidade da educação.
Lançado em novembro de 2014, o Plano busca assegurar o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens como cidadãos plenos, preparados para realizar o seu projeto de vida e construir um futuro promissor. A ação já começa a ser materializada em histórias como a do jovem Jeferson Santos, 14, do oitavo ano da Escola Municipal Iramilton Leite, que descobriu na escola o seu talento para fotografia. “Quando eu tirei as fotos para um trabalho [realizado com o suporte da plataforma Wikidu], eles não acreditaram que foi um aluno que fez. Eu não sabia que tinha esse talento. Fui me descobrindo”, contou o menino, enquanto apresentava sua exposição fotográfica em um evento aberto para a comunidade.
Os primeiros resultados dos projetos desenvolvidos por escolas do município foram apresentados no dia 2 de novembro deste ano, durante um evento em um clube da cidade. “Dentro da escola nós já percebemos uma movimentação diferente”, observa Ana Márcia Ribas, coordenadora da Escola Municipal Mário Soares Palmeira.
Em outubro de 2013, o documento começou a ser construído a partir de um diagnóstico sobre a realidade educacional miguelense, em que foram levantadas as demandas e prioridades do município. Iniciado pelo Instituto Inspirare, por meio do programa Laboratórios Educativos, o processo de construção do Plano envolveu a comunidade, setores do poder público, conselhos, empresas, institutos e organizações parceiras, como a Associação Cidade Escola Aprendiz, a Comunidade Educativa CEDAC, o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, o Media Lab Education, a Viração e as plataformas Meu Tutor, Primeiro Livro e Wikidu.
Construção das metas
Como resultado de um esforço coletivo, foram definidos oito eixos prioritários para transformar a educação no município: fortalecimento e participação das famílias; prevenção a situações de risco social e uso/abuso de drogas; desenvolvimento infantil; inclusão de crianças, adolescentes e jovens com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento; mobilização do poder público e da comunidade; sustentabilidade socioambiental; educação integral; e formação profissionalizante.
“Antes, cada um trabalhava de uma forma independente, mas com construção do Plano vimos que tínhamos uma linguagem comum e precisávamos conversar. Essa interligação de todas as secretarias foi muito importante para São Miguel dos Campos dar um salto positivo”, lembra o prefeito de São Miguel dos Campos, George Clemente.
Diante do levantamento das necessidades e prioridades do município, foram identificados parceiros técnicos que poderiam atuar em cada uma das demandas. Começaram a ser realizadas formações com os professores e equipes técnicas das secretarias, ações de melhoria da leitura na educação infantil e fundamental 1, redesenho do currículo do fundamental 2, adoção de estratégias para o fortalecimento da participação da família e estímulo à participação democrática da comunidade.
Com eixos definidos e 28 metas levantadas para serem atingidas até 2016, o Plano foi usado como norte para os esforços em busca de uma educação de qualidade no município. “A Semed (Secretaria Municipal de Educação) começou a se organizar mais, tanto no seu planejamento, como na sua agenda de trabalho. Passamos a ter mais envolvimento de todos”, explicou a secretária de educação Maria do Amparo.
Participação e mobilização
Para garantir a participação e o engajamento, o Plano reúne duas instâncias: o fórum intersetorial, responsável pela implementação, que conta com representantes de secretarias, organizações sociais e empresas; e o fórum comunitário, que tem o envolvimento de 150 educadores, alunos, pais, técnicos, diretores de escolas, conselheiros e lideranças comunitárias que elaboram propostas e implementam ações.
“O grande sonho é a gente conseguir articular uma grande rede, envolvendo poder público, instituições e sociedade civil”, diz Adla Maria Cavalcante, coordenadora de gestão educacional da Semed.
Como estratégia para fortalecer a representação dos jovens, também foi articulado um grupo de Jovens Mobilizadores, que atua como “um símbolo para apoiar e representar os jovens no município”, como define o integrante David Lucas Ferreira da Silva, 15, aluno do primeiro ano do ensino médio, da Escola Estadual Ana Lins. “A parada da evasão escolar não estava funcionando. Foi aí que a gente pensou que seria mais fácil – de jovem para jovem – entender por que eles estão saindo da escola”, exemplificou.
Apoio coletivo para mudanças
“A gente planejava as coisas e não conseguia executar”, lembra a diretora Sônia Falcão, da E.E. Rui Palmeira. Com a articulação de diferentes atores e a chegada dos parceiros, a educadora diz que as mudanças começaram a ganhar forma na escola. Por lá, começaram a ser desenvolvidas atividades voltadas para o desenvolvimento integral dos alunos, projetos com o uso de de tecnologia e iniciativas voltadas para o incentivo à leitura e escrita. “Eu tenho vinte anos na educação, mas nunca tinha visto o que está acontecendo em São Miguel. Muita mudança em pouco tempo”, define.
Na Escola Municipal Dr. Iramilton Leite, os novos projetos e o apoio dos parceiros também trouxe um ânimo novo. “Os alunos estavam um pouco desmotivados. Isso fez com que eles tivessem um objetivo e fossem mais além”, comenta a diretora Josenilda da Costa.
Quando começou a fazer um projeto da plataforma Wikidu, o aluno, Valdir Luís Santos, 16, do oitavo ano, revela que não estava muito empolgado. No entanto, após começar a produção de uma reportagem sobre sonhos dos jovens para o futuro do município, ele diz que passou a pegar gosto. “Nós podemos mudar e vamos continuar mudando.”
Na avaliação da secretária de educação, após cerca de 60% das metas do Plano Intersetorial atingidas, os depoimentos de alunos e professores dão a pista de que o município está no caminho certo. Agora, segundo ela, os principais desafios são trazer o maior número de profissionais para participar desta implementação.

Município de Alagoas comemora protagonismo de alunos
Quando o ônibus escolar estacionou, meninas e meninos desceram eufóricos. Na tarde do dia 2 de dezembro, o veículo que transportava alunos da rede pública municipal de São Miguel dos Campos, a quase 60 km de Maceió (AL), tinha feito outro caminho. Ao invés de seguir para escola, o ponto de parada foi o Clube Canavieiros. Lá, os primeiros resultados de trabalhos desenvolvidos no município durante o ano seriam apresentados à comunidade.
Em um local com aparência de galpão antigo, projeções de vídeos, tecidos coloridos, bexigas e cartazes pendurados nas paredes chamavam atenção de quem passava. Mais do que objetos de decoração, eles serviram de suporte para a apresentação de diferentes projetos – de atividades de reciclagem ou criação de horta a trabalhos feitos com auxílio de tecnologia, como plataformas e dispositivos móveis. “Tem chegado muitas coisas pra gente aprender melhor”, explicava a aluna Rhaiany Silva Santos, 12, do sétimo ano da Escola Municipal Rui Palmeira.
Há dois anos, o município começou a fazer um diagnóstico da sua realidade educacional para identificar os principais desafios e potencialidades do local. Em uma construção coletiva, o levantamento deu origem ao Plano Intersetorial pela Educação de São Miguel dos Campos, lançado em novembro de 2014 com o objetivo melhorar a qualidade de vida e assegurar o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens da região.
Durante todo o dia, os estudantes realizaram performances de dança e teatro, como capoeira, dança de rua e até a releitura do tradicional conto de fadas A Bela e a Fera. Quase mil pessoas circularam pelo espaço, entre alunos, educadores, familiares e membros da comunidade. Representando o poder público, estiveram presentes o prefeito George Clemente, a secretária municipal de Educação, Maria do Amparo Carvalho, e o vice-governador do Estado de Alagoas e secretário estadual de educação, Luciano Barbosa.
Novos escritores
Havia muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas ninguém roubou tanto a cena quanto os 197 jovens escritores que lançaram seus primeiros livros, feito que, segundo o prefeito, pela quantidade de novos autores deveria entrar para os famosos recordes do Guinness Book. Com roupas de festa e a presença de familiares, os jovens realizaram uma sessão de autógrafos das suas obras. A empolgação dos novos escritores chegava a contagiar, convertendo-se em lágrimas, sorrisos orgulhosos e olhares atentos para as histórias redigidas por meninos e meninas da rede pública do município.
Ao caminhar pelo espaço, o vice-governador ficou admirado quando foi presenteado por um aluno com um livro autografado por ele. “Para uma criança, era aparentemente inimaginável conseguir se tornar autora de um livro”, mencionou enquanto conversava com o Porvir. A professora de português Maria Cleide Marques, da E.E. Rui Palmeira, que nunca tinha tido a oportunidade de alcançar esse feito conseguiu concretizar um pedaço do seu sonho ao ver a realização dos alunos. “Foi como se eu também tivesse realizado meu sonho por meio deles”, contou ela, que não perdeu a esperança de escrever.
Com camisa social e gravata, o aluno do nono ano José Adriano, 14, da Escola Municipal Luzinete e Lindalva Jatobá, estava acompanhado da mãe Márcia de Oliveira, que não escondia a satisfação em ver o seu filho lançando o primeiro livro. “Como mãe, eu me sinto muito orgulhosa de ver ele progredindo. É uma novidade ver meu filho escrever um livro”, dizia. Para o menino, a experiência também era nova, tanto quanto a do personagem principal do seu livro que saiu da fazenda para conhecer o mundo. “Nunca tinha pensado que poderia escrever um livro antes”, contou o novo autor.
Durante o ano letivo, segundo o professor Luís Junqueira, idealizador do projeto, os problemas de infraestrutura e tecnologia para usar a plataforma Primeiro Livro foram mínimos diante da criatividade dos alunos que até escreveram parte dos livros à mão.“O que me emociona é ver a participação família. O orgulho de abrir um livro e dizer: fui eu que escrevi. Isso me enche os olhos”, disse.
Concurso de projetos
Em um dos espaços reservados para expor os trabalhos, alunos da Escola Municipal Rui Palmeira apresentaram um vídeo com seus desejos para a escola do século 22. “Queremos a escola com mais tecnologia para ajudar a gente nos estudos”, defendia Embert Fernandes dos Santos, 13, do sétimo ano. “Antes as pessoas usavam coisas muito antigas, tipo a senhora que está aí escrevendo à mão”, comentou o menino, de forma espontânea, ao olhar para o bloco de anotações utilizado durante a reportagem.
Junto com seus colegas, Embert segurava um tablet e explicava o curta-metragem produzido por eles. Ao lado, outro grupo da escola contava sobre uma campanha de reciclagem que idealizaram. Os trabalhos da Rui Palmeira foram uns dos cinco concorrentes do Concurso de Projetos das Escolas de São Miguel dos Campos, organizados pela plataforma Wikidu, que é utilizada como ferramenta de apoio para a realização de projetos em oito escolas do município.
Enquanto o Porvir andava pelo espaço, uma aluna de 11 anos se aproximou e disse: onde você mora tem horta? A pergunta lançada por Amanda Nascimento foi uma espécie de convite para ouvir sobre o projeto feito pelos alunos da Escola Municipal José Marcos da Rocha.
Entre muitas propostas criativas, o prêmio de R$1.000 ficou com a Escola Municipal Dr. Iramilton Leite, que foi representada por trabalhos de duas equipes, um registro fotográfico sobre a realidade do Loteamento Hélio Jatobá, vencedor do concurso, e uma reportagem sobre os sonhos para o futuro dos estudantes de São Miguel dos Campos.
Também foram premiados cinco alunos com melhor desempenho no simulado da Prova Brasil. Eles foram realizados pela plataforma Meu Tutor, com a participação de 797 estudantes, de nove escolas municipais da região.
Além dos projetos com apresentações conduzidas pelos alunos, o evento também abriu espaço à divulgação dos resultados de ações com articulações intersetoriais do município alagoano, incluindo iniciativas de fortalecimento da educação integral, melhoria da leitura, participação da família, protagonismo juvenil e reformulação do ensino fundamental 2.
“Eu estou sinceramente admirado da capacidade de mobilização que esses instrumentos conseguem trazer para dentro de uma escola. Temos que replicar esse modelo”, disse o vice-governador, que anunciou um plano para construção de uma escola de ensino médio no município.

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