PESQUISA

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Educação como alternativa para transformação

07 de Dezembro de 2015
Comunidades de aprendizagem, pedagogia democrática e espaços alternativos e integrados estão entre as opções para um novo modelo educacional

Fonte: Revista Gestão Educacional

São Paulo foi sede da 2ª Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação (Conane), realizada em setembro deste ano no Centro Educacional Unificado (CEU) Heliópolis. Além dos participantes da conferência, crianças eram bem-vindas e chamavam atenção para a necessidade de que os participantes renovem a abordagem na área educacional, tendo em vista o fato de que elas se dispersam rápido. Denis Plapler, consultor do Ministério da Educação (MEC), criador do Portal do Educador e um dos responsáveis pela Rede Nacional de Educação Democrática, abriu o evento por meio de uma vivência corporal, para que os participantes realmente “chegassem” ao encontro. Apesar de a programação ocorrer em um feriado, tudo indica que o movimento para renovar a educação vem ganhando força no Brasil.
Erwin Lopez, do Instituto de Investigación en Educación, na Colômbia, e da La Red de Educación Alternativa (Reevo), acredita que a renovação na educação não deve começar com determinações ou mudanças na legislação. “É preciso transformar nossa vida antes de tudo. Fizemos quatro congressos de educação alternativa, [que resultaram em] um livro com a primeira edição esgotada e que já está na segunda edição, apesar de a maioria das publicações acadêmicas não ter essa procura. Na Colômbia, temos [educadores] envolvidos em processo comunitário de educação, [em espaços] sem escolas, promovemos a Semana da Educação Alternativa e contamos com um assessor para educação alternativa em Bogotá. Como já me envolvi na política, não a vejo promovendo a mudança que a educação requer”, afirmou. Lopez participou do congresso acompanhado de sua família. Sua filha de 9 anos, Libertad, também esteve presente. Para os representantes da Reevo, incluindo brasileiros, a educação não é exclusividade da escola, ela acontece em diversos espaços, por isso a rede procura dar visibilidade a todo tipo de educação. Os especialistas acreditam que, para uma educação renovada, é preciso permitir que a criança leve seus interesses aos profissionais ou pais envolvidos nessa mudança, tornando-os, assim, mais abertos a alternativas e propostas diferenciadas de ensino.
Mas como esse tipo de educação inovadora pode ocorrer em escolas com turmas grandes ou em meio à burocracia da esfera pública? Braz Nogueira, diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Campos Salles, localizada em Heliópolis, que tem iniciativas semelhantes às da Escola da Ponte, de Portugal, considerada inovadora, revela: “Sonho com uma escola em que não haja ‘nem dentro, nem fora’. Precisamos ser comunidades de aprendizagem, ou seja, estimular o estudante a ser pesquisador, indicar exemplos, caminhos na web e colegas que o auxiliem quando tem dúvida”. Na Campos Salles, as paredes foram derrubadas, há turmas de cem educandos com três professores e o interesse dos alunos direciona o roteiro de aprendizagem criado coletivamente. “Escola não pode ser lugar de sofrimento. Com sofrimento, há insegurança, os envolvidos querem desistir. Somos um lugar de vida, um espaço para se expressar: o professor cria, o estudante imagina. Trabalhamos muito, mas temos momentos de profunda alegria. Tudo é processo. Os envolvidos entram em um acordo: na elaboração dos roteiros, se pensa nas matérias individualmente, mas também na integração delas. Os professores com jornada em outros colégios acompanham on-line como o roteiro se amplia”, conta. Não foi a experiência portuguesa que o motivou inicialmente. Quando chegou ao bairro de Heliópolis, Nogueira vinha de uma experiência em outra escola paulistana, na qual, com outros dois professores, integrou 55 pais ao cotidiano estudantil. “Somos um centro de liderança, envolvemos líderes comunitários. Tudo passa pela educação. No início, havia banalização da violência. Perdemos uma aluna chamada Leonarda. Procurei a Unas [União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis], associação comunitária que está à frente de diversos projetos culturais e educativos na região, e sugeri um projeto de caminhada anual pela paz no bairro, nas vielas. A ideia foi abraçada e quem não pode participar põe bandeira branca nas janelas, acena das casas. A paz é a luta por ela”, comenta o diretor. Em 2008, começaram as assembleias com os jovens, que trabalham com os princípios do funcionamento do Congresso Nacional. As lideranças comunitárias demonstram aos novos professores que o projeto deu identidade ao bairro, por isso continuará. “Educamos para a igualdade”, diz Nogueira.
Inspiração
O educador português José Pacheco, que já esteve à frente da Escola da Ponte e atualmente está envolvido no projeto Âncora, em Cotia, na grande São Paulo, com uma escola em que não há provas nem repetência e cujo foco é em projetos coletivos de aprendizagem, debateu alternativas com os participantes e sugeriu uma rede de escolas no Ipiranga, região da zona sul de São Paulo, onde o Conane aconteceu. “Uma inspirará a outra. Os professores precisam se apropriar das escolas. Estimulo a pedagogia do amor”, reforçou Pacheco, que foi questionado por uma professora a respeito de como implantar as alternativas em meio a tanta burocracia educacional. O educador ressalta que “a LDBEN não estabelece nota, prova, recuperação, cobranças... Muitas escolas não cumprem seus projetos político-pedagógicos. O sistema sobrecarrega, mas temos que lutar pelos estudantes ou recorrer ao Ministério Público, já que a lei federal nos ampara”, enfatizou, referindo-se à possibilidade de as escolas adotarem modelos alternativos de ensino. Outra participante perguntou sobre estratégia para envolver a gestão, geralmente muito focada nesses documentos que travam as propostas alternativas de educação. “Não se convence quem se baseia em crenças, mas também o colégio não se sustenta nelas, sua base são os saberes. Não é preciso convencer diretoria ou coordenação. Envolva outros dois professores abertos às alternativas e eles melhorarão suas aulas, o aprendizado, e envolverão os estudantes”, afirmou o educador. Para Pacheco, na escola não deve haver classes ou idades: “Todos estão ali para se ajudar. Essas comunidades de aprendizagem pela qual batalhamos são uma nova construção. As primeiras foram aqui em 1905 e 1907. O primeiro que escreveu sobre elas foi brasileiro”, completa. Para os especialistas presentes na Conane, os responsáveis por essa nova educação são os profissionais da escola. “No Brasil, na América Latina, está o futuro. Temos que aprender em comunidade e, para isso, a escola precisa ser um espaço de encontro, de construção de soluções”, recomenda Pacheco.
Experiências multiplicadoras podem inspirar. É o caso da experiência do bairro educador Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo. Julia Dietrich, gestora do Centro de Referências em Educação Integral, iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz, indica que as escolas precisam construir relações com seus territórios. “Apoiamos projetos em Belo Horizonte [MG], Sorocaba [SP], Nova Iguaçu [RJ] e Ipatinga [MG] na construção de políticas nesse sentido. Assessoramos o programa Mais Educação [do MEC]. Apoiamos a criação de caminhos na construção desses territórios educacionais”, explica Julia. Ela chama atenção para a possibilidade de participação de todos, oferecida pelo MEC, a respeito do que as escolas devem ensinar, para a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “O problema é que não questionamos que país nós queremos construir. Representantes da Finlândia estiveram em contato com educadores brasileiros. Os especialistas mostraram que lá, em um debate sobre que nação queriam ser, as questões de pontuação ou ranking [na educação] não eram as mais relevantes”.
Ativistas da educação alternativa não podem desanimar, de acordo com Regina Potenza, da rede Românticos Conspiradores. “Batalhamos pelos princípios do acordar ao dormir. Educação alternativa não funciona só noutros colégios, regiões, públicos ou países. A reedição da Conane mostra que é possível, além de debater, construir alternativas. Os Românticos se reúnem, refletem e questionam como por em prática alternativas que beneficiarão a criança”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário