PESQUISA

sexta-feira, 3 de julho de 2015

“A universidade não sobrevive com esses cortes”, afirma Roberto Leher, novo reitor da UFRJ.


03 de Julho de 2015

O professor assume, hoje, a reitoria da maior federal do país em meio a crise, com greve e obras paradas devido a corte de verbas


Fonte: O GLOBO(RJ)



RIO - Professor titular da Faculdade de Educação, Roberto Leher chega ao comando da UFRJ disposto a ser um “constrangimento” para o governo federal, que ele critica pela redução de investimentos no ensino superior público em favor de programas como ProUni e Fies, que financiam matrículas e bolsas em instituições privadas. Leher diz que sua gestão defenderá pautas “da esquerda". Ele pretende, por exemplo, transformar determinados cargos, hoje terceirizados, em postos de servidores públicos.
A UFRJ vive uma greve. Não se sente pressionado por entrar com grandes expectativas mas com poucos recursos?
A rigor, não. Tenho muita confiança que essas manifestações que os estudantes estão construindo são ações muito a favor da universidade. Precisamente orientadas para obtenção de recursos que eles sabem que a universidade precisa. Mais para a assistência estudantil, contra os cortes...
O quanto o atual ajuste fiscal compromete a UFRJ?
É possível concluir que estamos chegando no meio do ano com um deficit aproximado de R$ 110, 115 milhões. Para complicar a situação, fomos informados pelo secretário executivo do MEC, professor Luiz Cláudio Costa, que vamos ter um corte nos recursos do investimento de 50%. Obviamente é uma enorme contradição com o lema do governo de que entraríamos em um momento em que a educação seria prioridade.

Onde a universidade deixará de ver o dinheiro?
Com corte de 50% dos recursos, nós não vamos poder concluir as obras inacabadas, vamos ter que selecionar de maneira muito limitada aquelas que serão concluídas e isso traz problemas graves.
A UFRJ funciona até o final do ano com o dinheiro que possui?
Quando chegarmos em setembro, as dívidas acumuladas vão fazer com que ocorram atrasos em fornecimentos básicos. O que é básico hoje? Limpeza, segurança, portaria, que são os terceirizados, que, infelizmente, entram como verba de custeio, não como verba de pessoal. Vamos chegar em setembro com a universidade sem condições de honrar estas contas.
Como fica a UFRJ depois?
Temos confiança de que esse corte draconiano que o Ministério da Educação está infringindo na universidade terá que ser reavaliado. A universidade não sobrevive com esses cortes.
Muito da sua plataforma foi baseada na assistência estudantil. São obras caras. Vai ter dinheiro?
Seguramente, vamos concluir a reforma do alojamento. O restaurante (do campus) da Praia Vermelha, seguramente, teremos esse recurso. São investimentos que consideramos factíveis com os recursos que temos. Mas é óbvio que não dá para adiar gargalos de infraestrutura. Precisamos de estação e subestação de energia. Hoje, o gasto com energia está saindo de uma ordem de R$ 2,7 milhões por mês para R$ 4 milhões. Vamos ter que reduzir esse gasto.

O que vai ter que atrasar? A conclusão de prédios que estão no Plano Diretor. Parte daquele paliteiro na ilha do Fundão, para o Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, seguramente terá atraso. Teremos atraso no próprio período de conclusão do alojamento. Temos várias ampliações que sofrerão atrasos. São laboratórios que deixarão de ser concluídos, um prejuízo para universidade enorme.Enquanto você gasta dinheiro de um lado, você tira de outro. Qual é esse outro lado?
A Praia Vermelha vai pro Fundão na sua gestão?
A Praia Vermelha vai ficar onde for a definição de suas unidades. Seria irrealista afirmar que hoje é possível ter instalações na Cidade Universitária. Não dá para deslocar toda a Praia Vermelha. Não existe esse recurso. Acreditamos que a parte final daqui da Praia Vermelha, o antigo Canecão, pode ter recurso com emendas parlamentares.
O Canecão sai até o final da sua gestão?
Sai. É seguro que sai. Nós temos convicção de que com emendas parlamentares é possível que saia.
Em que modelo ele sai?
Público. Como parte da universidade e aberto a cidade do Rio. Entendemos que nesse espaço, os nossos cursos de teatro, dança, belas artes são fundamentais. Essa produção cultural que está fervilhando na cidade mas não encontra espaço nos circuitos comerciais vai poder ter expressão. É a nossa vocação estar aberta para outras perspectivas, outras linguagens.
Andando pelo campus é possível ver cartazes contra a reitoria. O senhor será o reitor...
Isso é parte do processo democrático. Quando eles entenderem que a reitoria estará cumprindo as demandas e expectativas, há de se entender as posições. Dialogaremos sempre com os estudantes. Certamente teremos uma relação pedagógica, de mão-dupla. Com eles levantando os problemas, as críticas. Os estudantes são sempre muito propositivos em suas falas. Se pegarmos as últimas lutas estudantis, no que diz respeito a assistência, não escutar o que o estudante estava falando seria um absurdo. "A gente recebe de manhã cedo no alojamento um pão que vem murcho, muitas vezes mofado. Enquanto a universidade pagou pão fresco com recheio". Os estudantes estão ajudando no controle social. Quando o estudante diz que o alojamento está infestado de ratos, a administração não pode ficar avessa a esses problemas.
Em algumas falas de professores, há uma crítica a greve estudantil. Uma delas é a de Carlos Fico (professor do IFCS) que diz não ter entendido a readequação do calendário feita pelo conselho universitário. Ele diz que o movimento estudantil tem como objetivos e pautas para greves outras questões que não aquelas colocadas em aberto. Porque os professores não estão juntos nessa luta?
A resposta para essa pergunta não é simples. De fato, a universidade tem uma pluralidade, e isso é muito bom. Em relação a greve, temos diversos argumentos. Temos professores que apoiam a agenda da greve mas estão preocupados com a conjuntura política do país, com possibilidade de crise política de maior envergadura e que a universidade poderia catalisar essa situação. Não vou entrar em juízo de valor sobre essa tese mas é uma tese presente.
A universidade bater, poderia fazer o governo enfraquecer?
É. Acelerar a crise política que está no país neste momento. Também temos professores que defendem que a greve não seria adequada neste momento porque o ajuste fiscal é uma política internacional, muito poderosa sobre o ponto de vista de agentes externos e que não teríamos força contra isso. Nós temos crítica a possibilidade de greve de que isso poderia desarticular a mobilização interna da universidade, que a universidade poderia se esvaziar.
A tese do Daniel Aarão (professor de História da UFF em entrevista ao GLOBO)?
É. Temos muitas proposições que problematizam a greve. E temos aqueles que historicamente são contra o uso da ferramenta "greve" independente da conjuntura. Em qualquer hipótese não admite que a universidade faça greve. Encontramos essa posição em grupos que construíram uma rede interna de proteção em que a crise não afeta a eles de maneira integral.
As fundações?
Sim. Os que estão vinculados a recursos externos, que são mediados muitas vezes pelas fundações, aqueles que fazem parte de área muito prioritária do aparato de Ciência e Tecnologia e encontram uma certa rede de proteção.
Os editais?
Eles estão encapsulados por essas redes de fomento e acham que a crise não vai afetar seus laboratórios, seus grupos de pesquisa.
O senhor está dizendo que existem duas universidades? Uma que vai ter corte de 50% e outra que continuará intocável?
Não. A minha crença é longe disso. Acho que eles fazem uma avaliação muito equivocada. A crise vai afetá-los. Existe uma crença de que setores da universidade podem funcionar a despeito de não haver recursos do Ministério da Educação por eles terem conquistado um grau de excelência que os blindariam em qualquer crise. É uma análise que não se sustenta porque o Ministério da Ciência em Tecnologia está promovendo cortes muito profundos. Temos muitos atrasos em recursos do Cnpq, muitos atrasos no recurso de Faperj.
Como o senhor vê o atual investimento do MEC em programas como o ProUni e o Fies?
Eu vejo como muita preocupação. O argumento que o MEC utiliza é o mesmo para dar repasse às instituições privadas desde a ditadura militar. Nos anos 70, a ditadura instituiu o crédito educativo, o similar ao Fies hoje. Qual o argumento? Não tinha vaga nas públicas e começariam a subsidiar vagas privadas como uma situação emergencial. Na realidade, esses programas foram se consolidando e a rede privada cresceu, cresceu, cresceu... e a rede pública ficou estagnada considerando o total de matrículas no país. Atualmente, o MEC tem como foco de investimento não a instituição privada, mas o fundo de investimento que controla as instituições privadas. A fusão da Anhanguera e Kroton faz uma empresa ter mais estudantes que todas as 63 federais juntas. Uma única instituição.
Os recursos que estão sendo deslocados para o Fies e para o ProUni estão obstaculizando a expansão das matrículas públicas. Vamos ser obrigados a frear a expansão
Hoje, o governo dá mais atenção a esses grupos do que para a universidade pública?
Isso ocorre quando a União aloca recursos nos fundos que estão controlando as instituições educativas, como foi no ano passado com R$ 13,5 bilhões para o Fies. Ora, as universidades públicas estão longe de receber R$ 13,5 bilhões de verba de investimentos. De (verba de) custeio até vai, mas não de investimento. Os recursos que estão sendo deslocados para o Fies e para o ProUni estão obstaculizando a expansão das matrículas públicas. Vamos ser obrigados a frear a expansão.
Onde o aluno sente mais com esse tipo de política?
O problema é que muitos estudantes estão chegando de fato no ensino superior porque existem esses programas de repasse de recurso para instituições privadas. Sob o ponto de vista individual, de cada estudante que recebeu uma bolsa, essa política é positiva. Muitas vezes vai se frustrar porque são cursos muito alijados. Não pela qualidade dos professores mas pela lógica que essas instituições estão organizadas com muito pouca capacidade criativa. Eu diria que, atualmente, dos 7 milhões que estão frequentando instituições de ensino superior, dificilmente podemos afirmar que eles tem uma formação universitária. Dificilmente estes estudantes estão tendo uma formação completa. Eu não estou criticando o trabalho dos professores, sei que muita gente faz trabalho sério. Mas a forma não está dando conta.
O senhor assume a reitoria hoje. Como será sua relação com o ministério que está cortando 50% das investimentos da UFRJ?
Vamos ser muito francos e zelosos pela autonomia universitária. Nós temos que falar em nome da instituição, em nome dos colegiados desta instituição e será a partir deste lugar que vou interagir com o Ministério da Educação e com as demais esferas do governo. Claro que nós sempre vamos buscar uma relação respeitosa e republicana. Devemos ter uma relação republicana de buscar responder os anseios públicos da universidade, no meu caso. Mas com muita firmeza.
O senhor será uma pedra no sapato para o MEC?
Um constrangimento, sim. É importante dizer isso: as universidades pactuaram uma expansão com o MEC. Com o Reuni. Crescemos 66% das matrículas. Agora, crescemos e ficamos com um passivo que não temos como levar.
Um dos lados saiu do acordo.
E não fomos nós.

Hoje, a educação é tratada por dois ministros. O senhor prefere o Mangabeira (Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos) ou o Renato Janine (do MEC)?
Em formulação, creio que os dois pensam e trabalham em princípios muito semelhantes. O Mangabeira fez um documento (Pátria Educadora), que objetiva adotar um modelo empresarial, o que é um desastre. O ministro Renato, seguramente é uma pessoa que tem uma sensibilidade para o problema da universidade pública. No entanto, não me parece que tenha força política para um projeto mais autônomo. O constrangimento da área econômica, do planejamento é muito forte. Isso fica evidente quando conversamos com as autoridades de maior relevância no ministério e ouvimos que “fomos informados que o corte é de tanto”. Não existe da parte do ministério um papel mais proativo, estratégico.
Então não é melhor conversar com o Joaquim Levy (ministro da Fazenda)?
Pois é. Nós temos um princípio de fortalecimento do MEC. Entendemos que o nosso interlocutor deve ser o MEC até por uma questão de concepção política. Mas claramente, para a universidade, quem tem a solução é o Levy, não é o Renato.
Sobre os terceirizados, como vai ficar a situação?
Nós vamos fazer uma revisão muito minuciosa nos contratos. O modelo de terceirização que está instituído é selvagem com os trabalhadores. Por outra parte, a universidade é muito vulnerável frente a esses contratos. Mesmo quando a universidade não tem três meses de atrasos, empresas deixaram de pagar para fazer chantagem com a universidade porque sabem que os trabalhadores vão parar. Os trabalhadores parando, para a universidade. E isso faz com que a universidade antecipe pagamentos. E nós não vamos tolerar esse tipo de prática. Mas nós temos que sair do modelo de terceirização. E como sair? Embora haja resistência do MEC, aqui vai haver tensão com o ministério, nós vamos insistir para que determinados cargos voltem a carreira dos técnicos-administrativos.
Quais?
Segurança, limpeza, portarias, manutenção de laboratório, biotérios... São funções que na universidade exigem especialização. É necessário buscar condições políticas para que essas funções sigam reestabelecidas. Se estabelecidas, o estado gastará menos. Hoje, o custo desses contratam seriam menores para a universidade.

Por quê?
Esses trabalhadores não recebem FGTS porque são servidores, então não tem depósito de FGTS. O problema que eles levantavam anteriormente era o da aposentadoria integral, que já não existe mais, foi demolida na reforma da previdência. Então são trabalhadores que também não tem a a taxa que a empresa cobra para fazer a mediação. A empresa não faz isso de maneira caritativa e filantrópica. Faz porque é uma empresa. E teremos algo imprescindível que é a possibilidade de formação desses profissionais. Esses servidores demandam uma quantidade menor do que os terceirizados e são profissionais que poderemos investir na formação. A quantidade de servidores RJU, em relação aos terceirizados (atuais) será menor porque poderemos racionalizar o melhor o uso dessa força de trabalho. Enquanto não conseguirmos essa alteração, vamos avançar na busca de contrato pelo regime diferenciado de contratação de modo que a universidade contrate por tempo determinado, como se fossem professores substitutos, trabalhadores para algumas áreas que são muito sensíveis onde qualquer falha traz problemas circunstanciais. É uma transição.
O senhor durante a campanha, como elogio e como crítica, era chamado de reitor 'comuna'.A partir desta sexta-feira, a UFRJ trilha um caminho a esquerda?
Os princípios que a esquerda defende para educação pública vão ser buscados com empenho. Uma educação que assegure que a classe trabalhadora possa frequentar uma universidade pública de maneira plena. Queremos muito que a universidade tenha jovens negros, que venham da periferia, que a universidade se democratize.

Nenhum comentário:

Postar um comentário