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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Música clássica para crianças

01 de dezembro de 2014

Silvana Scarinci, professora da UFPR, leva óperas de músicos europeus barrocos para crianças de escolas públicas no Paraná

Fonte: Revista Profissão Mestre



O Brasil possui enorme pluralidade de estilos e gêneros musicais, como samba, rock, sertanejo, axé etc. Entre os gêneros menos populares estão a ópera e a música clássica. Silvana Scarinci, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no entanto, tem trabalhado para levar as obras de músicos barrocos como Claudio Monteverdi, Marin Marais, Guillaume de Machaut e Josquin des Prez para o cotidiano de alunos das escolas públicas de Curitiba (PR) e região.
Silvana é gaúcha e cresceu ouvindo esses e outros compositores clássicos em Santa Maria (RS) graças à sua mãe e sua tia, que inventaram um madrigal para interpretar música antiga nos anos 1950. “Tive o privilégio de crescer em um ambiente muito musical e, ao mesmo tempo, intelectual. Hoje percebo que esses são os dois pilares da minha vida profissional”, afirma Silvana, que também cresceu apaixonada pelo teatro: “Quando tinha cerca de 11 anos, meu pai trouxe uma trupe de atores para apresentar uma produção de Hamlet na cidade. Aquela experiência foi como um raio, foi a revelação de um paraíso que só a arte podia proporcionar. Pouco tempo depois, já tinha me apossado do texto de Hamlet que um dos atores paternalmente me enviara, e lá estava eu a dirigir os colegas de escola, a decorar as partes de cada um, a montar a música, a costurar figurinos”.
Depois de adulta, a pesquisadora uniu as duas paixões – música e teatro – em seu trabalho no Laboratório de Música Antiga (Lamusa), grupo de pesquisas coordenado por Silvana na UFPR, em que ela e outras 70 pessoas trabalham na teoria e na prática de diversas óperas compostas séculos atrás, no Velho Continente. “Produzir uma ópera é um trabalho profundamente intelectual, pois não podemos compreender uma obra de 400 anos atrás sem compreendermos todo o arcabouço histórico e cultural que a circunda”, explica Silvana. O trabalho, portanto, não é somente de reproduzir as óperas, mas sim de compreendê-las dentro do contexto em que foram produzidas e encenadas pela primeira vez. É estudada a maneira de cantar, o papel da mulher na obra, os significados implícitos das óperas, as vestimentas etc. Até mesmo os instrumentos são os mesmos que eram utilizados antigamente: teorbas (instrumentos de cordas similares ao alaúde), cravos, flautas, violinos com cordas de tripas, entre outros.
Paralelamente a esse trabalho, Silvana e os pesquisadores do Lamusa realizam atividades voltadas às crianças das escolas públicas, para que elas conheçam, e também compreendam, as composições que irão assistir. “Fazemos um trabalho em conjunto com os professores de Arte de cada escola, levamos um grupo de alunos [da UFPR] com uma versão do enredo ‘recontado’ para crianças, as introduzimos ao universo da ópera, e incentivamos que elas também sejam coadjuvantes de alguma forma do processo criativo”, esclarece a docente. A pesquisadora também revela como as crianças participam das atividades. “Em uma das últimas experiências, um grupinho de alunos de uma escola pública criou uma versão em rap da história de Ariadne, o tema da ópera que iriam assistir”, conta Silvana. “Quando finalmente elas vêm assistir à montagem, é lindo ver os olhinhos arregalados das crianças. Fico sempre imaginando como essa experiência poderá marcá-las”, exclama. Cada ópera realizada pelo Lamusa reúne, em duas ou três apresentações, cerca de 700 espectadores, o que, para Silvana, é o grande mérito do projeto. “[Conseguimos] amarrar tantas vertentes de ação em um projeto só: partimos da pesquisa acadêmica, passamos pelo trabalho em sala de aula e chegamos até o público e as criancinhas”, afirma a pesquisadora.
Busca de apoio
Apesar dos bons resultados, Silvana e os pesquisadores da UFPR ainda esbarram na falta de apoio, principalmente financeiro. “O processo é sempre doloroso, lidamos com muitíssimas variáveis, e a mais preocupante de todas é sempre o financiamento. Ópera não se faz de graça, mas é sempre uma grande batalha levantar fundos”, aponta Silvana, que revela que a cada composição o número de apoiadores aumenta, mas que ainda falta uma atitude positiva em auxílio às artes dentro do meio acadêmico. “Enquanto não sairmos deste conceito que defende uma produção encerrada em si mesma, autossuficiente, muitas vezes autofágica, a universidade fica velha e sem função de existir. Precisamos sair de nossos casulos, nossos sonoros doutorados e pós-doutorados que nos protegem ou escondem, e nos debruçarmos sobre as pessoas que estão lá fora, que precisam de muito mais do que as migalhas que arrogantemente distribuímos de vez em quando”, desabafa a pesquisadora.
Apesar das dificuldades, Silvana conta que o projeto já tem mais uma etapa, ainda em estágio embrionário: uma ópera perdida de Marin Marais, um compositor que viveu na corte do rei Luís XIV, da França. A composição é tão rara que músicos e pesquisadores franceses se interessaram em contribuir com a ópera. Trata-se de Ariane & Bacchus: são 360 páginas manuscritas que estão sendo minuciosamente editadas para voltarem à vida em 2016. “Temos um plano de fazer uma estreia em Curitiba e em Paris. Precisamos ainda de sorte e muito apoio para isso se realizar – mas tenho fé nos milagres da ópera”, diz a pesquisadora da UFPR.
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