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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Impasse financeiro paralisa criação de universidade pública na Baixada Fluminense


EDUARDO VANINI / LEONARDO VIEIRA - O GLOBO - 01/08/2014 - RIO DE JANEIO, RJ

Toda vez que passa pela Rodovia Washington Luís, em Duque de Caxias (RJ), o motorista Daniel Ferreira, de 26 anos, não consegue desviar os olhos de um conjunto abandonado na altura do distrito de Xerém. À medida que ele vai ficando para trás, o jovem invariavelmente pensa num sonho que vê igualmente mais distante. Daniel planejava Educação Física ali, um lugar pensado para abrigar um centro universitário municipal criado pela prefeitura da cidade da Baixada Fluminense. Mas, depois de consumir pelo menos R$ 34 milhões de recursos da Petrobras, o projeto foi interrompido e virou o mote de um imbróglio que se estende por três administrações municipais.
Com as obras paradas desde 2011, o conjunto nasceu como um centro de educação básica com quadras esportivas, parque aquático, creches e escolas profissionalizantes na gestão do ex-prefeito Washington Reis (PMDB), em 2007. Por conta de um gasoduto que teria de passar pelo terreno do município, a Petrobras deveria pagar R$ 69 milhões em royalties à prefeitura, dos quais R$ 38,9 milhões seriam destinados à construção do lugar.
As obras estavam sendo executadas até que o então prefeito Zito (PP), que sucedeu a Washington Reis, resolveu elevar a ambição do projeto: de unidades da educação básica, o lugar passaria a abrigar a Universidade Municipal de Duque de Caxias, com graduações em Educação Física e engenharias.
UERJ SERIA PARCEIRA
O projeto seria realizado a partir de um convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Na época, imaginou-se que o espaço poderia servir como estrutura de apoio até mesmo para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016. Mas os trabalhos foram paralisados em 2011, ainda na gestão de Zito.
Em entrevista ao GLOBO, o ex-prefeito e, agora, candidato a deputado federal resume a história:
— Isso não foi à frente porque faltou verba, porque o dinheiro da Petrobras não cobriu tudo. Fomos a Brasília, pedimos ao governo federal os aditivos necessários ao reajuste da obra, mas não deu certo. Faltou vontade política.
O ex-prefeito não sabe dizer se o total de R$ 38,9 milhões foi de fato usado.
— Deve ter sido, né? Como prefeito, não tenho essa avaliação. Está tudo dentro do processo — sustenta.
Já a Petrobras afirma que 89% da verba foram efetivamente empregados, o que equivaleria a R$ 34,6 milhões. Mas, como os repasses só se davam conforme as obras avançavam, o montante final não teria sido alocado. Segundo a empresa, os “valores pagos se referem aos serviços já executados, conforme os critérios de medição do convênio. A gestão da obra e eventuais custos além daqueles previstos no convênio são de total responsabilidade do município, conforme previsto no acordo”.
Com a interrupção, a parte que já tinha sido construída ficou completamente abandonada. O mato toma conta do lugar, e o esqueleto do que seria o ginásio chama atenção na paisagem.
O cenário desola o ex-diretor do Departamento de Educação Física da Uerj, Edson Almeida Ramos, que participou desde o início na elaboração do projeto. Segundo ele, os aditivos pedidos por Zito por conta das alterações do plano original chegariam a R$ 20 milhões, número de que o ex-prefeito alega não se lembrar hoje.
— Minha demanda é acadêmica, mas a deles é política. Entrou um prefeito, depois o outro, mudou o projeto... E agora, com o último prefeito, a coisa se fechou. Para nós educadores, fica muito difícil de entender — diz Ramos.
EM VEZ DE FACULDADE, `20 CRECHES`
E, se depender da atual administração de Caxias, nenhuma verba a mais dos cofres municipais será empregada nas obras. O atual prefeito Alexandre Cardoso (sem partido) afirmou que é contra o projeto de uma universidade municipal. De acordo com ele, para que as obras saiam do papel, hoje, seriam necessários mais R$ 35 milhões, verba em negociação com a Petrobras.
— Em um município pobre e carente de creches como o nosso, não posso me dar ao luxo de ter uma universidade. Ensino superior não é competência dos municípios. Com os R$ 39 milhões da Petrobras, poderíamos fazer 20 creches — alega Cardoso
A nova proposta da prefeitura é a utilização dos espaços esportivos para atividades destinadas a jovens, enquanto os prédios seriam ocupados pelos cursos de Biotecnologia, Biofísica e Nanotecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já oferecidos em outras instalações em Xerém. Também está em análise a abertura de turmas de Biofármacos e Engenharia Física. Os três cursos já existentes somam 500 alunos. Com o plano de criação das novas graduações, a UFRJ acredita que poderá ofertar o dobro das vagas.
A universidade federal, de fato, já acolheu a proposta e informou que caberia ao município ceder as instalações prontas por, pelo menos, 30 anos. Quanto ao pedido de uma nova verba, a Petrobras informou que a solicitação ainda está em análise pelo seu departamento jurídico.
Líder comunitário do bairro Figueira, vizinho ao esqueleto, Edimilson Bastos acompanha com ansiedade o imbróglio e espera que tudo se concretize o quanto antes.
— A construção está em meio a uma população de cerca de 300 mil pessoas que esperam mais serviços e oportunidades. Também estamos próximos a uma zona industrial, que poderia absorver os profissionais formados — diz. — Não faz sentido algum uma obra como esta estar parada.

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