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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Estudantes estrangeiros e o mundo do trabalho: omissões no projeto de marco regulatório dos cursos de especialização


EDGAR GASTÓN JACOBS FLORES FILHO - REVISTA GESTÃO UNIVERSITÁRIA - 01/08/2014 - BELO HORIZONTE, MG

Foi apresentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em meados do mês de julho de 2014, uma proposta de resolução para regulamentar os cursos de especialização. Esta sugestão de norma, que será discutida em audiência pública foi produzida durante um longo período, mas ainda contém erros, que discutimos em recente artigo, e omissões graves, dentre as quais destacaremos duas neste texto.
A primeira omissão mostra desinteresse ou uma certa falta de sintonia entre a comissão criada pelo CNE para formular a nova regulamentação e a jurisprudência sobre pós-graduação no Conselho. De fato, em 2011 o Órgão decidiu que nos casos de estudantes estrangeiros que pretendiam apenas continuar seus estudo no Brasil `não há necessidade de exigir-se a revalidação do diploma de graduação no país, mas tão somente de verificar o mérito acadêmico do interessado sem submetê-lo ao trâmite formal da revalidação do diploma` (Parecer CNE/CES 412/2011). Essa decisão, que pode ser aplicada a pós-graduação lato sensu e foi recentemente confirmada pelo CNE (Parecer CNE/CES 143/2014), deveria agora ser incluída na proposta de resolução. Tal inclusão criaria uma regra clara para os envolvidos e seria muito oportuna para fomentar a internacionalização dos cursos de pós-graduação brasileiros.
A segunda omissão é mais grave, pois repercute na formação continuada de profissionais em diversas áreas. As instituições privadas que ofertam cursos de especialização em ambientes de trabalho ou simplesmente são especializadas em um determinado ramo profissional não foram incluídas entre as instituições credenciáveis para pós-graduação lato sensu. Isso é injustificável, pois elas representam a relação entre ensino e o mundo do trabalho, porque possuem conhecimento específico que não necessariamente deve ser ofertado no nível de graduação, e porque elas não diferem das Escolas de Governo e centros de pesquisa, que continuarão sendo especialmente credenciadas.
A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 expressamente prevê que: `A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social` (Art. 1°) e `A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho` (Art. 40). Desde então esses dispositivos legais fundamentaram o credenciamento especial de grandes instituições, entre hospitais, empresas especializadas em capacitação para gestão empresarial e clínicas odontológicas. Contudo, em 2011 um movimento guiado, provavelmente, por interesses monopolistas das Instituições de Ensino Superior, conseguiu criar uma resolução para `extinguir` esses credenciamentos e manter apenas as instituições públicas, conhecidas como escolas de governo. Agora, respeitando-se a LDB, seria o momento para o CNE agir com isenção e desfazer o erro. Até porque, várias instituições mantiveram o credenciamento pela via judicial, comprovando seu direito.
Outro ponto relevante é o fato de que seria um desperdício de recursos, financeiros e humanos, impor às instituições especializadas ou ambientes de trabalho a criação de cursos de graduação. Imaginemos, por exemplo, um curso de especialização realizado in loco por uma empresa cuja expertise é operar plataformas de petróleo. Seria eficiente obrigar esta empresa a criar um curso de graduação? Seria justo negar aos estudantes que fizessem mais de 450 horas de um curso um certificado válido não apenas para a empresa, mas para concursos públicos e outros interesses formais? Seria justo que um aluno que cursasse aulas equivalentes numa faculdade tivesse um certificado com maior abrangência? A resposta é não. E estes tipos de indagações valem também para hospitais, clínicas de referência e instituições que se especializaram em oferecer a profissionais graduados um aprimoramento em certos ramos da gestão.
Por fim, o que é mais injusto neste caso é manter apenas o credenciamento especial de Escolas de Governo e instituições de pesquisa. Escolas de Governo nada mais são que escolas públicas que oferecem a profissionais graduados, normalmente servidores públicos, um aprimoramento em certos ramos da gestão, ou seja, são uma versão pública das `instituições especializadas` privadas. Neste caso, um argumento simples, para evitar detalhes legais sobre isonomia, é que, se as Escolas de Governo não precisam ter curso de graduação para se credenciar, as instituições particulares também não deveriam ter essa necessidade.
Numa outra direção, as instituições de pesquisa estão para o mundo acadêmico tal como as instituições especializadas e ambientes de trabalho estão para o mundo profissional. Ambas são importantes nas interfaces da academia com o exercício profissional, mas são determinantes em seus focos principais. Por isso, da mesma forma que instituições de pesquisa geram um conhecimento que pode - e deve - ser transmitido por meio de cursos de especialização, as instituições especializadas e ambientes de trabalho devem estar igualmente habilitadas atransferir tais habilidades para o mundo profissional.
Aprestando esses argumentos, devem ser afastados ainda discursos rasos no sentido de que o mercado regulará cursos profissionais, pois o conceito de `ambiente acadêmico` e `mundo do trabalho` como espaços estanques e distantes já foi superado. Na realidade, a LDB diz isso no seu primeiro artigo, os estudantes vivem essa realidade, os docentes transitam constantemente por esses espaços e agora só falta o CNE garantir que os certificados possam ser emitidos por todos que produzem educação de qualidade, sem inclinar-se apenas para a academia.
Enfim, revistas essas omissões, o texto da resolução proposta pelo CNE ficará bem melhor e os envolvidos no processo educacional poderão se preocupar em ampliar seus processos de internacionalização e ofertar uma qualificação do nível que o Brasil precisa e merece.
Edgar Gastón Jacobs Flores Filho
Consultor em Direito Educacional
edgar@jacobsadv.com.br

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