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30/08/2013 |
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EXAME
A
vida nas cidades, onde moram 84% dos brasileiros, retrata quanto o país
melhorou nas últimas décadas — e, ao mesmo tempo, quanto ainda há por
fazer. Nossas cidades nunca foram tão ricas e os brasileiros tão
escolarizados como agora. Mas a violência está em picos históricos e
nunca demoramos tanto para ir de casa para o trabalho. Se Curitiba tem
taxa de analfabetismo equivalente à da Espanha, mais gente é assassinada
em João Pessoa do que em El Salvador, o país com a segunda maior taxa
de homicídios do mundo. A fim de entender para onde, afinal, caminham
nossas cidades, a consultoria de gestão Macroplan esquadrinhou índices
sobre saúde, educação, segurança, transporte e saneamento dos 100
maiores centros urbanos do país e cruzou os dados com indicadores
econômicos e de administração pública. A conclusão: pouco adianta
evoluir em uma área se outras continuam a ir mal. Jaboatão dos
Guararapes, na Grande Recife, é um exemplo. Lá, a renda média cresceu
24% de 2008 a 2011, um dos maiores avanços do país. Ainda assim, ficou
entre as piores do estudo. Já a paulista Jundiaí não liderou nenhum
indicador, mas foi a campeã. Exame apresenta alguns dos bons e dos maus
exemplos de nossas cidades. Eles nos dão pistas das escolhas que
precisamos fazer para não apenas crescer, mas viver melhor.
1- Saneamento
O esgoto que explica a desigualdade
Há
problemas na oferta de serviços públicos em todas as regiões do país.
Congestionamentos não são exclusividade de São Paulo e Rio de Janeiro,
assim como não há hospitais ruins apenas no Nordeste ou no Centro-Oeste.
Mas algumas áreas da administração pública são, de fato, explícitas ao
mostrar como ainda são grandes nossas diferenças de desenvolvimento
regional — e o saneamento básico talvez seja o porta-voz mais loquaz das
disparidades. Um dos dados avaliados pela Macroplan foi a adequação das
instalações de água e esgoto das casas. Entre as 100 maiores cidades,
as 34 mais bem colocadas nesse ranking estão nas regiões Sul e Sudeste. E
mais: das 15 primeiras, 12 ficam em São Paulo, o estado mais rico do
país.
Seria um alento se ao menos
esse fosso de desigualdade estivesse regredindo na esteira do
crescimento das cidades, mas não parece ser o caso. Ainda são poucos os
municípios próximos de atingir as metas do Plano Nacional de Saneamento
Básico. Lançado em 2011, ele estabelece metas para fornecimento de água,
rede de esgoto e coleta de lixo. O primeiro balanço desse plano será
feito em 2015. Até agora, só nove das 100 maiores cidades atingiram suas
metas. Em rede de esgoto, o número é melhor (são 54 das 100). Mas, na
coleta de lixo, apenas sete das 100 cidades já alcançaram seu alvo.
A
paraense Ananindeua, na Grande Belém, é uma das cidades com o pior
nível de saneamento no grupo das 100 maiores. Apenas 22,5% das casas têm
fornecimento de água e esgoto considerado satisfatório. Em 2004, havia
só 2 quilômetros de rede de esgoto na cidade. O número está, hoje, perto
de 100 quilômetros, ainda irrisório para um município de 500.000
habitantes. E mais: pouco se sabe de fato sobre os dados locais do
saneamento. "Se os dados não são divulgados, é porque a oferta de água e
esgoto deve ser quase zero", diz Edison Carlos, presidente do Instituto
Trata Brasil, que monitora o saneamento no país. A sujeira
descontrolada traz outros males consigo. Em 2011, Ananindeua gastou
315.000 reais para cada 100.000 habitantes em internações por diarreia.
Franca, em São Paulo, por sua vez, a mais bem avaliada em saneamento no
estudo da Macroplan, teve gasto de 8.000 reais.
2- Educação
Boas ideias valem mais do que dinheiro
É
em educação que o grupo de 100 maiores cidades brasileiras se sai, na
média, melhor que o restante do país. Das 100 maiores, 92 têm taxa de
analfabetismo menor do que a média nacional, de 9,7%. Três em cada
quatro municípios desse grupo já alcançaram analfabetismo inferior a
6,7%, meta acertada em 2000 entre o governo brasileiro e as Nações
Unidas para 2015. Não há fórmula única entre os municípios que mais se
destacaram em educação, mas eles têm pontos em comum. A participação dos
pais no cotidiano da escola é um deles. Jundiaí, a sexta mais bem
colocada na pesquisa, descobriu isso. A prefeitura criou um modelo em
que as escolas acompanham de perto a participação dos pais na vida
escolar de seus filhos. Esses relatórios são monitorados pela Secretaria
Municipal de Educação, e não por simples capricho: escolas em que os
pais são mais participativos tendem a ter alunos com notas mais altas.
"E inegável o ganho de aprendizado quando os pais são mais presentes na
vida escolar", diz Durval Orlato, secretário de Educação de Jundiaí. Há
boas notícias até entre as cidades que estão nas piores colocações. A
potiguar Mossoró (97- no ranking) é um exemplo. Apesar de ainda
apresentar uma das mais altas proporções de analfabetos (de 12,6%),
reduziu a taxa em quase 7 pontos na última década. Além disso, segundo a
Macroplan, destacou-se como um dos cinco municípios que mais elevaram
sua nota no Ideb de 2007 a 2011. A ferramenta para isso: investir nos
professores. Mais de 60% dos docentes da rede municipal têm
pós-graduação. Escolas e professores têm metas de alfabetização e de
melhora das notas dos estudantes no Ideb. O prêmio para os mestres
eficientes é o 14a salário. Na educação, mais importante do que
dinheiro, como se vê, é saber o que fazer com ele.
3- Segurança
O que era crime virou epidemia
A
violência é epidêmica em quase todas as 100 maiores cidades
brasileiras. Do grupo de municípios avaliados no estudo da Macroplan,
apenas oito — dos quais nenhum é capital — têm taxa anual de homicídios
menor que dez para cada 100.000 habitantes. Essa é a taxa considerada
tolerável pela Organização Mundial da Saúde. E verdade que 44 das 100
maiores cidades têm menos homicídios do que a média nacional, de 27 ao
ano para cada conjunto de 100 000 pessoas, mas isso não chega a ser um
alento: a taxa brasileira é similar à do conturbado Sudão, país que foi
dividido em dois no ano passado após uma sangrenta guerra civil.
Indicadores ruins de educação e desenvolvimento econômico são o ponto de
contato entre os municípios que mais sofrem com o banditismo.
Ananindeua, na região metropolitana de Belém, no Pará, é uma das cinco
cidades com PIB per capita mais baixo no levantamento — e é lá onde mais
morre gente assassinada entre as maiores cidades brasileiras. Seus 157
homicídios por 100.000 habitantes superam a taxa de Honduras, país onde,
proporcionalmente, mais gente é assassinada no mundo.
Das
dez cidades com maior taxa de homicídios, três são capitais. Maceió é a
pior delas. São 110 assassinatos para cada 100 000 pessoas. Como em
todos os principais municípios brasileiros, o aumento da criminalidade
tem relação direta com o avanço do tráfico e do consumo de drogas, em
particular o crack. Mais de 70% dos assassinatos da cidade têm alguma
relação com o tráfico. Mas Maceió tem dois agravantes. O primeiro é o
desemprego. A taxa de 12,3% de desempregados põe Maceió entre as dez
cidades do estudo em que esse problema é mais acentuado — e a terceira
entre as capitais, atrás de Salvador e Recife. O segundo agravante é de
ordem política. Na última década, quando os índices de violência
dispararam, a prefeitura de Maceió e o governo do estado permaneceram
sempre sob o comando de grupos rivais da política alagoana. "Só agora
estamos unificando áreas operacionais", diz o coronel Edmilson
Cavalcante, secretário de Segurança Comunitária de Maceió. "Faltou
entrosamento entre os dois lados." A pequenez política tem um preço — em
vidas.
4- Saúde
Cuidar das pessoas faz a diferença
Mais
do que a educação, a segurança ou o transporte, é a saúde o ponto mais
frágil do serviço público brasileiro. Em uma pesquisa do instituto Ibope
divulgada em julho, a saúde foi apontada pela população como o mais
problemático de uma lista com 25 itens. A queixa das ruas fica explícita
também no estudo da Macroplan. Das 100 cidades avaliadas, apenas 19 têm
índice de mortalidade infantil menor que o considerado aceitável pela
Organização Mundial da Saúde, de dez óbitos para cada 1000 nascidos
vivos. Pior que isso: em nada menos que 26 dos municípios da amostra, a
mortalidade infantil cresceu de 2008 a 2011.
São
José do Rio Preto, distante 450 quilômetros de São Paulo, derrubou a
mortalidade infantil nas últimas décadas. O índice atual, de 7,1 óbitos
para cada 1000 nascidos vivos, é quase idêntico à média registrada nos
Estados Unidos — e põe a cidade no topo do ranking entre as 100 maiores
do país. O que São José do Rio Preto fez para chegar ao topo deveria ser
óbvio para gestores da área da saúde. Mas, dado o deserto de
iniciativas bem-sucedidas, soa como uma descoberta sem precedentes: lá,
cuida-se das pessoas. Gestantes que passam por alguma das 26 unidades de
saúde da família do município entram automaticamente em um banco de
dados. Essa lista passa a ser acompanhada pelas autoridades da saúde.
Com informações como o endereço e o telefone das mulheres, os técnicos
sabem quando será a próxima consulta da gestante. "Se ela demorar muito a
retornar, os agentes vão buscá-la em casa para a consulta", diz Andréa
Zoccal Mingoti, coordenadora da área de saúde da criança na prefeitura.
Os exames periódicos — e a "caça" às mães que esquecem a data da visita
ao médico — continuam até o sexto mês de vida do bebê. A essa iniciativa
o município adicionou, em 2008, a criação de um banco de leite materno.
A medida foi crucial: desde então, o índice de mortalidade infantil na
cidade sempre ficou abaixo do nível recomendado pela OMS. Construir
hospitais é importante — mas cuidar das pessoas é fundamental.
5- Mobilidade urbana
Para começar, que tal planejar
Eis
o paradoxo: como pode o Brasil ser hoje abonado como nunca foi, mas,
ainda assim, sua população receber serviços públicos que, em muitos
aspectos, só fazem piorar? Esse contrassenso da vida brasileira — e,
particularmente, de nossas grandes cidades — talvez tenha no transporte
público seu melhor resumo. Não por acaso, foi o aumento dos preços das
passagens de ônibus o estopim das manifestações populares ocorridas país
afora em junho. Com mais dinheiro no bolso, mais brasileiros hoje andam
de carro. Em nada menos do que 87 das 100 maiores cidades do país o
número de carros cresceu mais do que a frota de ônibus de 2009 a 2012.
Com mais veículos nas ruas, o tempo de viagem de casa para o trabalho só
cresce. Nas grandes cidades brasileiras, metade da população perde ao
menos 1 hora por dia nos percursos de ida e volta de casa para o
trabalho. E17% das pessoas consomem 2 horas no vaivém. E o efeito
colateral de um mal da gestão pública: a falta de planejamento. "No
Brasil, a regra é o prefeito pautar a administração por obras", diz o
economista Gustavo Morelli, coordenador do estudo da Macroplan. "Sem
planejamento, a agenda do político tende à dispersão."
O
caso mais bem-sucedido de planejamento do transporte público nas
grandes cidades brasileiras é o de Curitiba. A capital paranaense foi a
primeira do mundo a adotar os ônibus rápidos em linhas exclusivas,
sistema conhecido pela sigla BRT. No estudo da Macroplan, a cidade foi a
única a aparecer nas primeiras posições em todos os quesitos avaliados,
como a relação habitantes por ônibus e o tempo de deslocamento
casa-trabalho. Curitiba é ainda a campeã em ônibus acessíveis a
cadeirantes: nove em cada dez coletivos curitibanos têm acesso especial.
Também
no Paraná há outro destaque positivo. Foz do Iguaçu tem hoje o maior
índice de ônibus por habitante do país: são 124 pessoas por veículo —
pouco mais do que a metade da média nacional, de 235. Em 2010, Foz
adotou em parte da frota o pagamento de passagens com cartão magnético.
Além de tornar ágil o pagamento, o sistema permite formar um banco de
dados. As informações recolhidas já levaram a prefeitura a criar novas
linhas e implantar faixas exclusivas em duas das principais avenidas
locais (o projeto está em andamento). Com o planejamento, o serviço pode
melhorar ainda mais.
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