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domingo, 26 de maio de 2013

Do sofá da sala para o banco da escola

 
26/05/2013
Telecurso completa 35 anos como política de ensino em colégios públicos de seis estados do paísComeçou como um programa de TV nas manhãs dos brasileiros. Trinta e cinco anos depois, o Telecurso, uma iniciativa da Fundação Roberto Marinho em parceria com a Fiesp, não está só na tela de sete milhões de pessoas, a audiência do programa hoje. Também já fez parte das aulas de seis milhões de estudantes de escolas públicas no país. Os 35 anos do projeto, que desde 1993 passou a ser usado em escolas estaduais e municipais brasileiras, com programas de vídeo e também com material didático, serão comemorados amanhã, em evento no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. A comemoração terá a presença do ministro da Educação, Aloizio Mercadante; do presidente da Fundação Roberto Marinho, José Roberto Marinho; e de governadores e ex-governadores de estados que adotam ou já adotaram o programa.
No evento, será lançado o livro "Incluir para transformar - Metodologia Telessala em cinco movimentos", com a história do Telecurso em depoimentos de alunos, professores e gestores, além de fotos e ilustrações. Os movimentos do título se referem às etapas de aprendizagem do aluno do projeto: integração; contextualização; socialização; problematização e reflexão; e aplicação prática.
O Telecurso foi lançado em 1978; era, na época, um programa de TV com o objetivo de auxiliar quem quisesse realizar o supletivo, então recém-criado. Há 20 anos, desde 93, foi para as salas de aula, nas primeiras parcerias com escolas públicas. Em 95, passou a ter também material didático, com livros cujos autores são professores de referência nas principais universidades brasileiras. Tornou-se uma metodologia de ensino, a Telessala - e virou uma política pública de educação, adotada atualmente em seis estados: Acre, Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rondônia. As cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Paraty também usam hoje a metodologia.
Gerente-geral de Educação da Fundação Roberto Marinho, e que participou da transição no modelo do Telecurso, Vilma Guimarães destaca que o foco do projeto é "a produção coletiva do conhecimento":
- A dinâmica de uma aula do Telecurso começa com uma atividade lúdica sobre o assunto da aula. Um jogo, uma brincadeira. Então vem a exibição do vídeo. E, depois, um debate sobre o que foi visto: cada um fala sobre aquilo a que assistiu, com base na sua história de vida, suas referências. A partir da individualidade dos alunos, você consegue construir o conhecimento de forma coletiva.
De 95 a 2013, a metodologia, hoje parte do "Guia de tecnologias educacionais" do Ministério da Educação, já foi usada em 30 mil salas de aula, por meio da parceria com 1,5 mil instituições - mais da metade delas são escolas, mas há também empresas privadas e ONGs. Segundo Vilma, o Telecurso como política de ensino é adotado por escolas geralmente para corrigir a chamada distorção idade-série dos alunos, ou em aulas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Hoje, 147.300 estudantes frequentam salas de aula que adotam o projeto. Em 2001, ele foi escolhido como currículo de referência nacional para a avaliação de jovens e adultos.
A taxa de aprovação dos alunos do Telecurso é de mais de 90%. A distorção idade-série também diminui entre os que estudam pelo projeto: o Acre, por exemplo, tinha 55,6% dos alunos do 6º ao 9º ano do fundamental com distorção idade-série em 2002; em 2011, esse percentual era de 22,2%. Em Pernambuco, 66,8% dos alunos do ensino médio em 2007 tinham distorção idade-série, percentual que caiu para 44,1% em 2012.
Também desde 1995, 40 mil professores em todo o país foram formados na metodologia Telessala. E essa própria formação dos professores já dá o tom da essência do Telecurso: para serem capacitados, eles viram alunos de novo, realizando as mesmas atividades que mais tarde vão passar para suas turmas. Da mesma forma que o aluno trabalharia sua individualidade ao aprender, também o professor, na capacitação para essa metodologia, desenvolve sua autonomia em sala.
- O professor revê sua própria prática - diz Vilma, destacando outro ponto do projeto: - Ensinar por situações do cotidiano, da vida. É a grande contribuição de Paulo Freire não só na metodologia, mas também no currículo do Telecurso.


26/05/2013
Projeto usa metodologia do Telecurso em áreas remotas do Amazonas
Crianças e adultos de aldeias ticunas interagem por meio da internet
Lauro Neto
Enviado especial
Estudo em família. Índias ticunas, Maria Clara e sua avó Margarete Maria dividem a sala de aula em Belém de Solimões (AM): internet auxilia no aprendizado
Igarité. Sandrine e o professor Falcão, em Vila Caviana: evasão é menor
Volta à escola. Oscar Ramos, de 71 anos, diz que interage ao usar a webcam
Guajará, Manacaparu e Tabatinga (AM) Para se chegar à comunidade Belém de Solimões, leva-se mais de duas horas a bordo de uma voadeira, pequena embarcação motorizada, a partir de Tabatinga, cidade fronteiriça com Peru e Colômbia. À beira do Rio Solimões, os cerca de seis mil índios da etnia ticuna que lá vivem já são bastante aculturados, mas ainda preservam a língua materna. Esse é um dos maiores desafios para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), já que muitos não falam português.
Numa comunidade de visíveis contradições, em que adolescentes transitam pelas ruas asfaltadas (mas sem saneamento básico) usando aparelhos celulares apenas para ouvir hits de funk carioca, já que não há sinal de telefonia, é surpreendente que alunos de 35 a 71 anos frequentem aulas ministradas com a ajuda da TV e da internet via satélite.
A mediação tecnológica é uma das estratégias encontradas pelo projeto Igarité, que usa a metodologia do Telecurso para levar o ensino a comunidades dispersas. À frente das duas turmas do EJA, os professores Entercley Barbosa Moçambite e Francisco Tenezor Tananta orientam os estudantes na construção do conhecimento a partir dos vídeos exibidos e do material didático.
O momento mais aguardado é "a hora da interatividade", quando os alunos se comunicam com estudantes de outras comunidades distantes e com o professor mediador, com auxílio de webcam e microfone. Pode ser para apresentar a explicação de um exercício sobre a biodiversidade do Cerrado ou mesmo para mostrar cantos indígenas. Mas nem sempre o prazeroso é fácil, como explica o professor Chiquinho.
- Muitos ficam tímidos pela questão da língua: eles têm medo de errar o português. Para não perder as raízes, precisam preservar a língua materna. Ao mesmo tempo, querem aprender o português para ir ao cartório, ao banco etc. - diz Chiquinho, que é da etnia ticuna. - Em compensação, eles têm o conhecimento do cotidiano, principalmente na matemática: o raciocínio lógico das operações do dia a dia, da compra e venda do peixe.
Nas paredes de alvenaria de uma das salas de aula, dois cartazes apontam os avanços e os "desavanços" da escola. No primeiro grupo, apenas o EJA tecnológico (o projeto Igarité) e o transporte para os professores. A segunda lista, mais extensa, aponta várias carências: água, refeitório, auditório, quadra poliesportiva, laboratório de informática, alojamento para os professores e transporte para os alunos.
É literalmente mais difícil enxergar adiante quando os óculos são meros acessórios sem que as lentes estejam apropriadas aos problemas de visão de quem os usa. Mas os olhos avermelhados da vista cansada pela labuta diária não estão menos atentos às aulas do 3º ano do EJA, que acontecem das 19h às 22h. Por trás dos óculos que o marido ganhou em uma viagem à cidade, Margarete Maria Adrião, de 52 anos, mantém um olho no quadro e outro no caderno onde copia a lição. Sua neta Maria Clara, de 9 anos, faz o mesmo. Ela cursa a mesma série do ensino fundamental regular durante o dia, mas acompanha a avó à noite.
- Não sabia ler nem escrever. Aprendi aqui. À noite, é mais difícil de ler, mas tenho que ter grau de estudo para pegar trabalho. Até ano passado, trabalhava como merendeira na escola. Este ano, estou esperando concurso público - conta Margarete. - Meus pais eram muito pobres e não tinham condições de colocar os filhos para estudar. Quando tenho dificuldades, minhas filhas que são professoras me ajudam.
Os ticunas vivem ainda da agricultura e da pesca. No modesto comércio, um prato feito com arroz, feijão, peixe e a famosa farofa de Cruzeiro do Sul custa R$ 5,50.
Da roça, Oscar Gregório Ramos, de 71 anos, sempre tirou o sustento de sua família. Por isso, teve pouco tempo para estudar. Completou a 4ª série aos 11 anos e, desde então, "não pegava num caderno, livro ou lapiseira". Ele é um dos mais empolgados nas aulas do Igarité, durante a interatividade na frente da webcam.
- Não tenho vergonha. Não adianta ficar nervoso. Tem que mostrar o que temos a dizer sem medo - diz.
Duas turmas numa mesma sala
Na comunidade ribeirinha da Boca da Boa Fé, onde vivem 12 famílias, a realidade não é muito diferente. A Escola Municipal Boa Vista funciona numa das precárias palafitas que flutuam sobre as águas fluviais. Não há muito para onde nem por onde correr. No estreito trapiche de madeira instalado recentemente pela prefeitura, crianças correm e brincam com uma bola. Na escola, uma casa de apenas um cômodo, a sala de aula acomoda duas turmas de séries diferentes com uma única professora. Os alunos não se incomodam.
Mãe e filha, Alda Carneiro da Silva, de 31 anos, e Sâmia Valéria, de 12 anos, dividem a sala com outros 17 estudantes. Ao mesmo tempo em que os oito alunos do 9º ano aprendem a fórmula de Báskara, os 11 do 8º ano têm uma aula sobre a Guerra Fria. No meio, a professora Maria Valteresa de Souza se desdobra em muitas para dar conta de conteúdos tão diversos. Não seria possível sem a ajuda da mediação tecnológica do Igarité.
- Sem internet, não temos aula. Pela tela, é mais rápido. Estou com duas turmas porque não tem outro professor, e não vou abandonar meus alunos. Não acho complicado, a metodologia ajuda. No início, ficava um pouco confuso, mas nos adaptamos - diz a professora. - Temos que superar obstáculos. Mesmo se fossem três turmas. Eles querem estudar, e é o melhor método para se transformar a sociedade.
Alda e Valéria concordam. A mãe havia parado de estudar aos 17 anos, ao concluir a 4ª série. Hoje, é microscopista e ajuda a diagnosticar e tratar casos de malária na comunidade. Ela sonha com um futuro melhor para as filhas - além de Valéria, ela é mãe de Viviane, de 8 anos.
- Meu maior sonho é concluir os estudos e ver minhas filhas se formando. Sempre fazemos a tarefa de casa juntas na mesa - conta Alda.
Desafio de diminuir a evasão
Já na Vila Caviana, a duas horas do município de Manacapuru pelo Rio Solimões, o maior desafio da Escola Estadual Januário Santana é diminuir a evasão e a distorção idade-série. Lá, o projeto Igarité atende sete turmas, do 6º ao 9º anos, com um total de 152 alunos. O professor José Falcão do Nascimento dá aulas para o 6º ano.
- Como os pais têm que sair de casa cedo para trabalhar na agricultura, às vezes levam os filhos ou os deixam largados. Isso provoca a evasão e aumenta a distorção idade-série - explica Falcão. - Com o Igarité e a exigência de o aluno estar presente, melhorou o nível. Eles sentem o impacto no começo, pois vêm de uma metodologia diferente, mas a internet desperta mais a curiosidade deles.
Desperta mesmo. Durante a aula, não é raro ouvir dos estudantes a frase "professor, pede a vez!", referindo-se à participação virtual no chat com escolas de outras comunidades, conectadas pelo Igarité. A embarcação, que dá o nome de origem tupi ao projeto, está pintada nas paredes. Sandrine Soares, de 11 anos, é uma das alunas mais interessadas na navegação pela web.
- Foi um pouco difícil até pegar o jeito da metodologia. Antes, a gente só copiava do quadro. Agora, as aulas são melhores, aprendemos mais. Não sabia fazer trabalho em grupo. Agora, a gente aprende a se reunir melhor - compara a menina.

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