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Data: 25/10/2010
Veículo: ÉPOCA
Editoria: SOCIEDADE
Jornalista(s): Martha Mendonça
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Algumas
prefeituras estão usando o espaço de clubes, associações e até igrejas para
dar mais horas de ensino - e melhorar as notas das crianças
Martha Mendonça
Num enorme gramado, cerca de 20 crianças se espremem em volta de uma mangueira, uma bomba de bicicleta e uma garrafa de plástico com álcool, tampada com uma rolha. Em minutos, graças ao princípio da força e da pressão, a garrafa sobe como um foguete. A alegria é enorme. Elas sorriem, gritam e aplaudem. O momento, ao contrário do que pode parecer, não é de lazer. As crianças estão em horário de aula. Elas estudam no 1º e no 2º ano do Colégio Operário Vicente Mariano, na comunidade de Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Essa é uma das escolas do município que têm atividade em horário integral. Depois das aulas regulares pela manhã, elas ficam cerca de quatro horas em atividades diversas - do lado de fora dos muros da escola.
Nesse período, a escola vira a comunidade inteira.
O foguete foi lançado na Vila Olímpica da Maré, um espaço que atende toda a
população do bairro e de outros lugares do Rio. No caminho até lá, a pé, os
alunos aprendem ainda sobre o trânsito e conhecem o comércio local. Na vila,
têm noções de física e matemática, fazem esportes e oficinas de arte. Como
resultado, as crianças ficam mais interessadas e aprendem mais: de 2007 para
2009, o Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) da escola pulou de
4,3 para 5,1. Elas também têm demonstrado mais iniciativa e melhor
relacionamento social.
Esse projeto tem a ver com uma percepção
crescente de que mais horas de atividades educativas é um dos principais
fatores para o desempenho das crianças. Trata-se de uma preocupação
internacional. Na Europa e nos Estados Unidos, as crianças costumam entrar na
escola de manhã e voltar para casa no meio da tarde. Agora, os americanos
estudam aumentar ainda mais a carga horária.
A secretária de Educação dos EUA, Anne Duncan,
disse querer que as escolas funcionem em período integral, com mais dias
letivos. É uma tentativa de alcançar países europeus e asiáticos que dão
ainda mais carga horária a seus alunos. No Brasil, o principal obstáculo para
seguir esse rumo é a falta de espaço nas escolas, ocupadas por vários turnos de
alunos, e a carência de professores. Daí a ideia de usar espaços alternativos
e voluntários.
O modelo adotado em 150 escolas de comunidades
carentes do Rio existe em outros municípios, com sucesso. Outras capitais,
como Belo Horizonte e Palmas, e cidades como Sorocaba, no interior de São
Paulo, e Apucarana, no interior do Paraná, têm apresentado grandes avanços
com o ensino integral. A ideia desses programas não é dar apenas simples
reforço escolar ou um espaço para a criança ficar enquanto os pais trabalham.
Trata-se de uma tentativa de formação humana mais ampla - cognitiva,
cultural, esportiva, moral, relacional. Daí a ampliação do campo escolar para
toda a comunidade. As atividades acontecem em espaços públicos alternativos,
ONGs, mas também em locais privados, como igrejas, associações de bairro e
clubes. A ideia de professor também é flexível. As aulas são ministradas por
universitários de várias áreas e voluntários de áreas como informática, artes
plásticas, esporte e profissionais liberais.
Em geral, os projetos nascem de um acordo entre a
prefeitura e a comunidade. Foi assim em Apucarana, a 360 quilômetros de
Curitiba. Desde 2005, as 58 escolas do município têm carga horária de oito
horas. Em 2009, o Ideb de Apucarana chegou a 6 - índice de país desenvolvido
-, ante os 4,6 no Brasil e os 5,2 no Paraná. Hoje, 60% das escolas do
município já têm média 6 ou mais. "Atribuímos nossa evolução
essencialmente ao programa de ensino integral. Esse tempo maior de
aprendizado influencia diretamente na vida da criança", diz o secretário
de Educação Cláudio Silva.
Em Apucarana, as crianças fazem atividades que
vão desde o xadrez, para estimular o raciocínio matemático, até a simulação
de compras em mercados, passando por aulas de natação e tênis no Country
Clube, reduto da classe média local. "Ceder espaço e tempo de nossos
professores é uma colaboração que vai render frutos para toda a cidade",
afirma o presidente do clube, Newton Santos.
Em Sorocaba, o programa de ensino integral
começou em 2007, com o conceito de "cidade educadora". Na época
eram apenas sete escolas. Hoje são 22, com 4.600 alunos. A meta para 2012 é
de 10 mil crianças com ensino integral. Gestora da Oficina do Saber da Escola
em Tempo Integral, a educadora Patrícia Fernandes diz que a marca do programa
é a inovação. Além do foco em leitura e no raciocínio matemático e dos
espaços de esportes e artes, há algumas atividades diferentes como aulas de
circo, compras dos alimentos da escola e contato com a história e os costumes
da colônia espanhola, que formou a cidade. "Aos poucos, o que era visto
como aula formal está se transformando numa rotina de aprendizado prazeroso
para as crianças", diz. Em 2007, o Ideb de Sorocaba foi de 4,9. Em 2009,
subiu para 5,9 - o maior entre as cidades do interior de São Paulo com mais
de 500 mil habitantes.
A educadora e filósofa Isabel Santana, gestora da
Fundação Itaú Social, que tem apoiado projetos educacionais pelo país, diz
que os novos modelos de ensino integral diferem de programas adotados no
passado. "Não se trata mais de apenas manter na escola. Existe uma
intenção pedagógica que não havia antes", afirma. Para ela, essa
"ampliação de saberes" é uma exigência do mundo de hoje.
"Muitas crianças de periferia fazem atividades em ONGs ou associações.
Mas, quando a escola lidera o preenchimento do tempo delas, esse aprendizado
se dá de forma articulada. E isso muda tudo."
Uma pesquisa de avaliação de impacto feita no ano
passado em Belo Horizonte, cidade que adotou o programa de ensino integral em
2006, mostrou que as crianças ganharam mais motivação para ir à escola e
responsabilidade com as lições e o estudo em casa. A interação com a família,
professores e amigos melhorou e o nível de agressividade caiu. Os alunos
passaram a ler mais e ter mais iniciativa nos cuidados de higiene.
"Nosso Ideb aumentou, mas, ao lado do melhor aprendizado, estamos
satisfeitos com a formação de indivíduos mais conscientes", diz a
coordenadora do programa na Secretaria Municipal de Educação de Belo
Horizonte, Neusa Macedo.
Com o segundo melhor Ideb entre as capitais
brasileiras do 1º ao 5º (5,6) e o primeiro do 6º ao 9º ano (5), Palmas, no
Tocantins, é um dos municípios que há mais tempo adotaram o ensino integral.
Metade dos alunos das escolas públicas, o correspondente a 59 colégios, está
dentro do projeto, que começa desde a creche. "Trabalhamos com a ideia
do aprendizado global. Nosso currículo é amplo, vai do xadrez ao esporte, do
desenho ao jazz", diz o secretário de Educação Danilo de Melo Souza.
Segundo ele, para preencher as nove horas e meia que as crianças passam na
escola é preciso organização e qualidade. "Não somos um semi-internato.
Temos um compromisso pedagógico-existencial. Nosso objetivo é construir
competências." Melo Souza diz que, diante dos bons resultados, em Palmas
a classe média está matriculando seus filhos na escola pública.
Desde 2008, o Ministério da Educação tem
investido na ampliação das atividades em 2 mil escolas que apresentam Ideb
abaixo de 2. Por esse programa, o Mais Educação, 47 cidades recebem recursos
e o ensino fundamental passou a ser prioridade de ministérios como Esporte,
Ciência e Tecnologia e Cultura. O Mais Educação começou a ser pensado após
estudos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que indicaram o
impacto da escola na vida do estudante, a partir de informações sociais e
econômicas do município onde a escola está localizada - o Índice do Efeito
Escola (IEE).
Consultor em educação e pesquisador do Instituto
Carlos Chagas, Vandré Gomes da Silva diz que o ensino integral é uma tendência
que já se espalha pelos municípios brasileiros. "Não tem muito tempo que
o ensino fundamental foi universalizado. Mas expandir o aprendizado
tradicional para a ideia de uma escola mais abrangente é um modelo vitorioso
que veio para ficar."
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Este Blog disponibiliza um acervo com o noticiário sobre as políticas educacionais brasileiras. É parte do Projeto de Extensão Políticas Educacionais na Imprensa Brasileira, coordenado pelo professor Armando C. Arosa, desenvolvido junto ao PROEDES - da UFRJ - O projeto teve início em abril de 2012 e encerrado em janeiro de 2018. Contato-ufrj.proedes@gmail.com ou armando.arosa.ufrj@gmail.com
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segunda-feira, 25 de outubro de 2010
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