Assegurar a aprendizagem das crianças e dos adolescentes brasileiros no
tempo certo ainda é um desafio para o Brasil. Os dados divulgados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que a repetência e o abandono fazem parte
da realidade de milhares de estudantes. Desde cedo.
As discussões e a preparação para colocar as propostas de correção de
fluxo escolar em prática iniciaram há quase três anos. Em 2007, o MEC criou o
Plano de Ações Articuladas, pacto feito com os municípios que obtiveram os piores
rendimentos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), avaliação
que mede a qualidade de ensino da rede escolar do País. Em troca de recursos
financeiros e apoio técnico oferecidos pelo governo federal, os dirigentes
municipais teriam de elaborar ações para garantir qualidade de ensino.
À época, mais de 700 municípios pediram ajuda para corrigir o fluxo
escolar. Queriam recursos pedagógicos que os auxiliassem a acelerar os estudos
das crianças que não aprenderam na idade correta. O MEC avaliou programas de
aceleração de aprendizagem de institutos ligados à educação e contratou três
para fornecer capacitação e material aos municípios que mais precisam (os 1.242
com os resultados mais baixos no Ideb).
O Instituto Ayrton Senna, o Instituto Alfa e Beto e a organização
não-governamental Geempa foram os escolhidos. Os projetos deles fazem parte do
que o MEC chama de Guia de Tecnologias Educacionais, publicação que indica
ferramentas avaliadas pelo ministério para solucionar problemas em diferentes
tópicos educacionais como alfabetização, educação inclusiva, gestão escolar.
Falta de estrutura
Nos últimos dois anos, os municípios escolheram as ferramentas,
assinaram termos de compromisso com o MEC e prepararam professores para
trabalhar com os alunos em sala de aula. Inicialmente, 1.149 cidades de 26
Estados manifestaram interesse em receber capacitação e material didático de
uma das tecnologias. Ao todo, 830 mil estudantes seriam beneficiados.
O problema é que, durante esse período, muitos municípios desistiram de
implantar os programas de fato. No mês de agosto, os primeiros alunos atrasados
começaram a ser atendidos, em 646 cidades, quase a metade dos que queriam o
reforço inicialmente. A falta de estrutura física e de professores são algumas
das dificuldades enfrentadas pelos dirigentes municipais durante a execução dos
projetos.
As metodologias dos programas de
correção exigem profissionais dedicados exclusivamente às turmas de aceleração,
que precisam participar de cursos de formação inicial e que serão acompanhados
por coordenadores. Esses também terão de ser designados pelos municípios, que
precisam reservar salas de aula especiais para o funcionamento dos programas.Jussari, cidade baiana com um
dos piores rendimentos na 8ª série e com altos índices de atraso nas primeiras
séries do fundamental, por exemplo, desistiu do programa do Instituto Ayrton
Senna pela falta de professores para assumi-lo.
“Uma das maiores limitações para enfrentar essa realidade de atraso
escolar é a capacidade técnica. Mas há limitações de gestão também. Esse é um
trabalho que envolve formação e qualificação de professores, investimentos em
infraestrutura das escolas e até garantia de uma rede social de proteção para
crianças e adolescentes, que garantam a permanência delas na escola para
aprender”, analisa o diretor de políticas de formação de materiais didáticos e
de tecnologias da Secretaria de Educação Básica do MEC, Marcelo Soares.
Inês Miskalo, coordenadora da área de Educação Formal do Instituto
Ayrton, aponta ainda dificuldades de comunicação em locais mais distantes, a
falta de dados tabulados sobre a situação dos alunos, de espaço físico e
professores em quantidade suficientes e dispostos a estar em contato permanente
com o instituto. “O limite de alunos por turma, a ambientação da sala e a
metodologia não adiantam sem a disposição para mudar a cultura de ensino. O
professor tem de se envolver e saber relatar a situação de cada aluno, o que dá
muito trabalho. Isso é o mais difícil”, pondera.
Experiências de sucesso
Em todos os projetos de correção contratados pelo MEC, o aluno tem de
ser o centro da aula. O planejamento das aulas e das estratégias para fazê-los
aprender tem ser feito de acordo com o avanço de cada turma e estudante. Os
mecanismos de avaliação e recuperação passam a ser constantes, dia a dia. A
leitura e a escrita são metas perseguidas a todo instante. No caso do Geempa,
as aulas da aceleração são feitas no contraturno.
O Instituto Ayrton Senna recebeu o maior número de parceiros. Mais de
500 municípios escolheram os programas Se Liga (direcionado à alfabetização dos
que estão nas séries iniciais do ensino fundamental) e Acelera (para corrigir a
defasagem de alunos um pouco mais velhos). Nos dois programas, as crianças não
podem passar mais de um ano. “A gente tem de fazer um investimento maciço para
que o aluno tenha sucesso nesse período. Se ampliarmos, estamos dando espaço
para mais fracasso”, explica Inês.
No Distrito Federal, há muitas escolas que utilizam as metodologias do
instituto. Mas não são financiadas pelo MEC e, sim, pelo governo local. Na
escola CAIC Assis Chateaubriand, em Planaltina, há quatro turmas dos programas
em atividade. Odith Farago, diretora do colégio, garante que os resultados foram
percebidos rapidamente. “Tínhamos alunos de 12 e 13 anos na 2ª série do ensino
fundamental. Isso é muito ruim inclusive para a autoestima deles, que não
aprendiam. Pelo menos 50 estudantes passaram pelo projeto e aprenderam”,
afirma.
Fábio Santos conta que na turma de aceleração conseguiu aprender a ler a
escrever
Nas salas de aula do projeto, quando alguém pergunta se as crianças
estão aprendendo, a resposta é rápida. Em coro, os alunos dizem que sim,
sorridentes. Jhennefer Lorrany Silva Costa, 10 anos, diz que adora as aulas.
Garante que, agora, consegue ler o que não lia. Layene Moraes, 10 anos, conta
que lê todos os papéis que encontra pela frente e já sonha em ser juíza. “A
professora ajuda muito”, garante Jhennefer Lorrany.
Fábio Santos, de 13 anos, deveria estar na 7ª série. Mas ainda não
conseguiu sair do equivalente à 4ª série. Por isso, foi colocado na turma do
Acelera na escola de Planaltina. A vontade de colaborar com as aulas passou a
ser enorme. No meio dos colegas, não é mais tão diferente. Os pré-adolescentes
à sua volta têm os mesmos gostos. A professora lhe dá a atenção que precisa.
“Cheguei aqui sem saber de nada. Agora, já sei ler direito e aprender ficou bem
mais fácil”, garante.
Nas salas de aula, cartazes com os nomes de todos da turma mostram quem
leu os livros recomendados, quem fez as tarefas, as atividades planejadas para
cada dia. O professor sabe o que deve fazer e os estudantes também. As
atividades são monitoradas pelos coordenadores, que visitam a escola a cada 15
dias. “A autoestima do professor também muda. O trabalho dele reflete sucesso.
Acredito no meu trabalho”, afirma Suely Sodré, professora do Se Liga desde
2007.
Em números
A realidade dos estudantes da escola CAIC Assis Chateaubriand é a mesma
de milhares de crianças e adolescentes brasileiros. A Síntese de Indicadores
Sociais do IBGE, publicada na semana passada, mostra que a trajetória de
fracasso escolar das crianças brasileiras começa nas primeiras séries do ensino
fundamental.
Em média, os alunos dessa etapa da educação básica mantêm um atraso de
dois anos em relação ao ideal. As crianças de 10 anos de idade, que deveriam
estudar na 4ª série, possuem apenas 2,3 anos de estudos concluídos. Aos 12,
chegam a quatro anos. Aos 14, quando completariam os oito anos de ensino
fundamental obrigatório (o País está em transição para nove anos), chegam a 5,8
anos de estudo.
Não é estranho que, depois desse início educacional, apenas metade dos
adolescentes de 15 a 17 anos esteja cursando o ensino médio (etapa em que todos
os brasileiros nessa faixa etária deveriam estar matriculados). Para conter o
atraso escolar, não basta melhorar a qualidade de ensino para os que estão
entrando na escola agora. É preciso recuperar a aprendizagem dos que ficaram para
trás. "Seja qual for a tecnologia utilizada, para nós, do MEC, todos os
esforços devem ser empreendidos para se garantir o direito básico de toda
criança e adolescente brasileiro, que é o direito de aprender", comenta
Marcelo.
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