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segunda-feira, 27 de junho de 2016

"Impasses"

Fonte: O Globo
27 de Junho de 2016


POR ANTÔNIO GOIS
A combinação da crise econômica com turbulência política fez com que o país vivenciasse neste semestre provavelmente o maior movimento de greves e ocupações dos últimos 20 anos. É difícil ser contra algumas das principais reivindicações, como o reajuste salarial para professores e a melhoria nas condições de ensino em escolas ou universidades. É inaceitável saber que ainda há colégios ou campi sem condições mínimas de infraestrutura. Especialmente no caso da educação básica, pagar salários melhores aos docentes, além de ser uma meta do Plano Nacional de Educação, é um dos investimentos mais importantes para aumentar a atratividade da carreira.
Este modelo da greve na educação pública como forma de pressionar governos, no entanto, já não é mais unânime nem mesmo no campo da esquerda. Um exemplo disso foi dado no ano passado, quando o professor da UFF Daniel Aarão Reis escreveu uma carta se opondo ao movimento que começava na época. Em suas palavras, na ocasião: “A greve por tempo indeterminado não qualifica o debate, anula-o; não acumula forças, dispersa-as; não concentra, fragmenta e pulveriza; não fortalece, enfraquece.”
Com os ânimos acirrados, surgem também cenas como as registradas na Unicamp num vídeo que foi divulgado na semana passada. Nele aparecem três alunos invadindo a aula do professor Serguei Popov no Instituto de Matemática. Ele tenta continuar, mesmo com o barulho alto de tambores ao fundo e com os manifestantes circulando à sua frente. Um dos jovens se posiciona ao lado do professor e, ostensivamente, começa a apagar o conteúdo da lição que Popov acabara de escrever no quadro. É possível ainda ouvir um estudante argumentando que eles “estavam desrespeitando um cara que estava querendo dar aula”.  Após o episódio, jornais de São Paulo trouxeram depoimentos de outros professores que se sentiam intimidados e recorriam a aulas secretas ou pela internet em universidades paulistas.



Os alunos que invadiram a sala argumentaram depois que o professor se recusara a dialogar com o movimento, mas acabaram eles mesmo produzindo um gesto de intolerância com quem exercia seu direito de dar aulas e com os demais estudantes, que também estavam no seu direito de não querer apoiar a greve.
A intolerância, é claro, não é monopólio de um campo ideológico. Poucos dias antes da divulgação do episódio da Unicamp, circulou outro vídeo, desta vez mostrando alunos em greve na UnB sendo hostilizados com gritos homofóbicos e racistas por manifestantes contrários ao movimento. (veja reportagem aqui)
No Rio, foram registrados conflitos entre grupos de estudantes que queriam ter aulas e outros que ocupavam – e ainda ocupam – escolas em apoio a greve dos professores. No caso da rede estadual fluminense, a paralisação dos docentes completará em breve 100 dias. Não há o menor sinal de que o governo cederá às pressões salariais. Há apenas uma certeza: os maiores prejudicados serão, como sempre, os alunos.

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