12 de Janeiro de 2016
Fonte: Valor Econômico
O Ministério da Educação tem cerca de seis meses para finalizar a Base Nacional Comum Curricular
(BNC), como determina o Plano Nacional de Educação (PNE). Não obstante as críticas ao conteúdo, ao
prazo restrito e ao processo de elaboração do documento, tratase de iniciativa importante do MEC, que
aproxima o Brasil dos sistemas de educação mais avançados do mundo.
A base viabiliza a reorganização do sistema educacional. Ao definir os objetivos de aprendizagem de
cada etapa, ela permite formatar os currículos, estruturar as formações dos professores, alinhar as
expectativas de aprendizagem com estudantes e famílias, subsidiar as práticas didáticas em sala de aula,
desenhar sistemas de avaliação externa e aumentar a qualidade dos livros didáticos. Em particular,
possibilita a discussão sobre a identidade do Ensino Médio e seus desafios.
Um currículo flexível tem sido a solução apontada para a necessária reforma do Ensino Médio. Não faz
sentido o excêntrico desenho brasileiro em que todos têm de aprender todo o conteúdo das mesmas 12 a
14 disciplinas obrigatórias, independentemente de suas vocações e projetos de vida. A trajetória única e a
falta de conexão com a diversidade dos jovens e suas possibilidades de empregabilidade, somadas ao
excesso de conteúdo e às dificuldades estruturais do sistema de ensino, geram desinteresse,
incompreensão sobre a relevância das disciplinas e, no limite, fraco desempenho, evasão e abandono.
A estrutura engessada do Ensino Médio exclui grande parte dos
jovens, em especial os que não querem ingressar de imediato no
ensino superior, caso de 54% dos estudantes de baixa renda,
segundo pesquisa do Cebrap e da Fundação Victor Civita (2013).
Um currículo flexível possibilitaria boa formação básica, aliada a
um aprofundamento de conhecimentos em uma trilha acadêmica
ou em uma formação técnica nos três anos do Ensino Médio
regular. Isso aumenta a probabilidade de permanência na escola e viabiliza uma entrada mais
qualificada no mundo do trabalho. Beneficia os mais vulneráveis, sem tirar a chance de, no futuro,
ingressarem num curso superior. Tratase de uma virada radical na perspectiva binária que os jovens
têm hoje universidade ou subemprego.
O modelo do Ensino Médio flexível constituise um enorme desafio em seu desenho, avaliação,
certificação e adequação dos conteúdos à carga horária. Requer a oferta de um repertório de
conhecimentos e competências cognitivas e socioemocionais que categorizo em três dimensões global,
diversificada e específica. A primeira diz respeito ao conhecimento imprescindível e estruturante para
uma formação geral, comum a todos os estudantes. A segunda, dá ênfase às características regionais. A
terceira, específica, possibilita o aprofundamento em uma área de conhecimento, dentro de
possibilidades finitas. O estudante passaria a exercer o direito à escolha de uma aprendizagem específica
no Ensino Médio para aprofundar os estudos em uma área de conhecimento, permitindo uma formação
técnica inicial ou o acesso à universidade.
O currículo flexível demandará mudanças no sistema de avaliação e certificação. Será preciso modelos
de avaliação com pesos para cada área de conhecimento e um sistema de certificação que englobe todas
as trajetórias, inclusive o ensino técnico. Uma grande conquista seria uma certificação de Ensino Médio,
ao final de três anos, em todas as escolas públicas, que contemple os ensinos regular e técnico.
Por Ricardo Henriques
12/01/2016 Base Nacional Curricular, um projeto de nação | Valor Econômico
http://www.valor.com.br/opiniao/4387082/basenacionalcurricularumprojetodenacao 2/2
Há centenas de escolas técnicas reconhecidas por sua qualidade no país, mas demandam, em geral, mais
de seis horas diárias ou a continuação dos estudos além do Ensino Médio regular, em um modelo pósmédio.
São centros de excelência preparatórios para as universidades públicas e não têm a capilaridade
das redes estaduais de Ensino Médio regular. O currículo flexível nas escolas públicas com a
possibilidade de certificação (também técnica) poderia mudar o patamar de inclusão educacional e, por
consequência, do nível de escolaridade e qualificação técnica.
Outro desafio será adequar este modelo a uma carga horária
compatível. A maioria das escolas públicas possui um turno
diário de quatro horas e meia, que totalizam pouco mais de 2400
horas nos três anos de Ensino Médio. Uma das fragilidades do
documento preliminar é que, na percepção de gestores públicos e
especialistas, há um volume de objetivos de aprendizagem maior
que o requerido. Caso isso se confirme, a viabilização do currículo
flexível depende de cortes relevantes na Base e, de forma ideal,
da ampliação do tempo na escola para, pelo menos, cinco horas/dia.
O MEC teve a responsabilidade e a ousadia de colocar um documento preliminar para consulta pública
em um prazo curto. No entanto, não deve confundir a eficiência na entrega da proposta com um
açodamento de finalização que não permita o exercício criterioso de definição de uma base estruturada,
com coerência em cada disciplina e entre disciplinas e segmentos de ensino, além de explícitas
progressões de aprendizagem. Nessa fase final, serão necessários esforços técnico e conceitual para
definir o que é o coração da base, com uma visão integrada do todo e compreensão das áreas de ensino
para realizar cortes e estabelecer o que deve ser comum e o que é complementar, com harmonia entre os
objetivos de aprendizagem.
O currículo não é uma panaceia, mas sua flexibilização é uma chance de rompermos com desigualdades
históricas. A agenda do Ensino Médio flexível é fundamental para o desenvolvimento do país e
imprescindível para que a base não se torne um documento na gaveta que não dialoga com as demandas
da sociedade. A base é uma oportunidade para um ensino de qualidade com equidade, que transforme a
vida dos jovens, aumente as possibilidades de mobilidade educacional e social e contribua para o projeto
de nação que queremos. Ganham os jovens, ganha o Brasil.
Ricardo Henriques, economista, é superintendente executivo do Instituto Unibanco e
membro do Conselho de Administração do Instituto Internacional de Planejamento da
Educação (IIEP) da Unesco. Foi Secretário Nacional de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação.
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