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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Educação tirana

07 de Dezembro de 2015

Para especialistas, comportamento de agressões entre professores e alunos é parte da sociedade e reflete a cultura existente

Fonte: Diário da Manhã (GO)
As notícias divulgadas no início dessa semana denunciando como professores de uma escola estadual em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, utilizaram de agressão na relação com seus alunos causou espanto e indignação. Informações dadas por um conselheiro revelaram que dois alunos sofreram agressão física com cadernos, réguas e beliscões, um terceiro teria sofrido discriminação racial e no quarto caso, o professor teria cuspido no aluno.
Para a historiadora, professora mestre de história da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e professora de história efetiva da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, Simone Cristina Schmaltz de Rezende e Silva, “a mesma opinião pública que fica estarrecida com as acusações atribuídas a um profissional da educação em Rio Verde é a mesma que se posiciona contra a lei da palmada e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.
Ela analisa que a escola é parte da sociedade e, portanto reflete a cultura existente. “Nossa sociedade é culturalmente violenta, como também a educação. A palmatória era um método considerado parte do ensino e só deixou de ser utilizado a partir da segunda metade do século XX. Havia também as palmadas, puxões de orelha, gritos, humilhações na frente da turma, castigos humilhantes como ficar ajoelhado sobre grãos de milho ou usar um chapéu em forma de cone com orelhas de burro”, adverte.
A psicóloga, psicoterapeuta, psicopedagoga, mestre em educação, professora do curso de Pedagogia de PUCGO, Janete Carrer, descreve que essa cultura opressora se faz presente na escola, muitas vezes, em vários níveis de relações. Narra que essa presença é explicada pelo fato da instituição escolar estar inserida em uma sociedade onde o desrespeito e as agressões aos direitos humanos orientam um modelo de resolução de conflitos.
“Frente à situação que gera frustração a pessoa pode usar a violência e a opressão para resolver o problema. Essa modalidade de ação é constantemente validada pelo conteúdo das mídias, a crueldade nos jogos, a violência e o desprezo aos sentimentos alheios presentes nos filmes e telenovelas, além de programas que exploram essa dura realidade da sociedade brasileira”, pondera.
E, é na escola, diz ela que “todas as mazelas da sociedade se entrecruzam com conteúdos das disciplinas, relação professor e aluno, avaliação da aprendizagem, convivência entre os colegas gerando um espaço de conflito e de crescimento”, define.
Simone Schmaltz chama a atenção para o fato do conceito de infância ser bem recente em nossa história, menciona que as crianças até o século XIX eram consideradas como mini adultos. Motivos pelos quais as crianças e os adolescente só tiveram seus direitos garantidos de maneira mais efetiva a partir de 1990, com a publicação do ECA.
“Neste ano a denominada Lei da Palmada, que impõe limites aos pais em relação às agressões físicas e psicológicas, não foi recebida de maneira tranquila pela sociedade em geral que ainda acredita na relação violência-educação”, refere.
Schmaltz conta que há instituições que possuem projetos de Gestão de Conflitos, onde professores e alunos trabalham em parceria para a identificação de possíveis focos de conflitos no ambiente escolar. “Tais iniciativas privilegiam o diálogo e envolvem toda a comunidade escolar, mostrando que existem saídas que descartam o uso da força e que conseguem resolver problemas”.
Muito além da aparência, consequência da violência física ou verbal
A empregada doméstica, Lindalva Venâncio dos Santos, 45 anos, mãe do estudante A. V. S, de 8 anos, contou a reportagem do Diário da Manhã que o filho recentemente foi vítima de agressão praticada por dois professores em uma escola estadual na capital. Ela recorda que a criança apareceu com hematomas no olho, braço e nas costas, os quais teriam sido cometidos pelos dois professores, que o agrediu após ele se recusar a deixar de participar de uma aula de dança.
“Por serem educadores essa é uma atitude inadmissível, o papel deles é está preparado para educar, ensinar o aluno, não para agredir. Hoje o bullying na sociedade não é praticado só por alunos talvez principalmente pelos professores que acabam influenciando no comportamento desses alunos que reproduz isso”, considera Lindalva.
De acordo com Simone Schmaltz, professora da Rede Municipal de Ensino a criança ou o adolescente que sofre violência física ou verbal terá sequelas. Muitas vezes, ela expõe, “tornam-se mais introspectivos, isolados do restante do grupo, podendo também ficar violentos. Há um comprometimento da autoestima o que pode refletir em dificuldades no aprendizado; são aqueles que muitas vezes imploram para não irem para a escola”.
Nestes casos, ela alerta sobre a importância da família e os professores ficarem atentos a mudanças de comportamento e à queda do rendimento escolar. A mãe de A.V. observa que um dos preconceitos sofridos pelo filho é o fato dele ser negro e apesar de ter apenas oito anos ser bem maior que as crianças com essa idade. Ela considera que isso dar margem para que os professores acabem interpretando que ele por ser maior tem mais compreensão das coisas, “o que não é verdade” afirma Lindalva.
“Temos uma questão intimamente relacionada ao bullying: o racismo. O brasileiro em geral se diz sem preconceito racial, mas suas ações cotidianas revelam o contrário, portanto vivemos uma hipocrisia social. Se esconde atrás de piadas e brincadeiras para revelar seu preconceito e causa muita dor à crianças, mulheres e homens todos os dias” expõe.
Lindalva ressalta que o filho de apenas 8 anos, com tamanho de 12, é julgado por uma sociedade que ainda se detém a aspectos encontrados na aparência e posição social. “O ser humano julga muito isso, em vez de tentar humanizar acabam diferenciando”.
“Percebemos aqui a ilusão da superioridade racial, fruto da nossa formação social que considerou o negro que foi a força motriz da construção de nosso país, durante séculos como uma peça, um objeto e não um ser humano. Ao relacionar o negro como objeto e designá-lo para o trabalho braçal, forjamos uma sociedade em que o trabalho braçal é considerado uma atividade inferior bem como aquele que a exerce” justifica Simone.
Esgotamento
A psicopedagoga, Janete Carrer declara que ser professor hoje é um desafio constante para a capacidade de reflexão, de maturidade e equilíbrio emocional do profissional. Afirma que existe um conjunto de fatores que vai interferir na possibilidade do professor ensinar e educar.
”Ao analisar o cotidiano do professor vamos encontrar uma realidade extremamente estressante pelo acumulo de tarefas, número de escolas e de alunos que compõem o seu universo; a falta de condições de trabalho e salários dignos; a falta de valorização social da profissão; os embates diários com um grande grupo de alunos que não estão interessados em aprender e nem aceitam os limites necessários para a convivência em sala de aula; os conflitos emocionais, a falta de apoio no trabalho pedagógico e a ausência de uma formação continuada”.
Schmaltz que possui pós – graduação latu sensu em história social pela Universidade de Brasília, acrescenta que: “em relação aos docentes em nosso país, independente do fato de estarem na rede pública ou privada, o que prevalece é a formação incompleta ou a má formação. A maioria dos discentes dos cursos de licenciatura trabalham para sobreviver, assim não são alunos que trabalham, mas sim trabalhadores que estudam.E no interior dos cursos de graduação temos o fato de haver por parte de uma maioria a cultura de que as disciplinas voltadas para o estudo e a prática docente serem consideradas como “menores”.
Para piorar ela adiciona, “o profissional da educação brasileiro possui um Piso salarial que é no mínimo ridículo, o que acaba empurrando o professor para trabalhar os três turnos, além de todo o trabalho que ele leva para casa. No país, considerável parte dos docentes das redes estaduais e municipais não são concursados e trabalham muitas vezes ministrando disciplinas para as quais não possuem formação” comenta.
Diante dessa problemática descrita parcialmente, Carrer conclui: “dificilmente o professor vai estar preparado para além de ensinar, possibilitar a aprendizagem do aluno e um educar colaborando para a formação do cidadão” completa.
Solução uma verdade ou utopia
Na analise da psicopedagoga, Janete Carrer, para que esse modelo de relação opressora e desrespeitosa não continue existindo e haja prevenção para que novas situações de agressão não aconteçam, é preciso que a sociedade se engaje junto com a escola, os meios de comunicação, a família e outras instituições, para juntas desenvolverem um projeto de educação que privilegie o cultivo dos valores humanos. “O resgate do diálogo, do bom humor, da saúde mental, da tolerância , da amizade, da consciência crítica e da capacidade de ser solidário seria o objetivo principal deste projeto” diz.
Simone Schmaltz também compartilha da ideia de que o contato cotidiano da família com a escola (e não a velha história dos pais serem chamados apenas quando há problemas) é a chave para o sucesso escolar. “Muitos pais não tem ideia do que acontece com os filhos na escola, seja relativo à questões pedagógicas, seja em relação as questões interpessoais”.
Fala ainda sobre as políticas públicas voltadas para a educação que ainda não possuem um financiamento que permita o desenvolvimento pleno da educação em todos os níveis e modalidades, havendo a necessidade de uma conscientização do poder público de que a educação deve ser considerada como um investimento e não como um gasto.
Lei Antibullying
De acordo com Schmaltz finalmente nesse segundo semestre, no mês de novembro a Presidente da República, Dilma Rousseff sancionou a chamada Lei Antibullying. “Assim, fica claro que até então não havia uma política sistemática que em primeiro lugar assumisse que a prática da intimidação é um fato recorrente em todo o país e que independe de nível social”.
Em segundo lugar, ela informa, propõe a abertura de diálogo para entender o problema e buscar caminhos, tanto no sentido de apoiar as vítimas e suas famílias quanto para acompanhar os praticantes do bullying. “Aqui a punição é colocada em último plano, pois já houve a percepção de que a violência não resolveria o problema. Espera-se a discussão a respeito das estratégias para por a lei em prática”, finaliza.

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