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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Horário escolar diferente

30 de Novembro de 2015

Colégios da comunidade carioca Complexo da Maré adaptam chegada e saída de estudantes à rotina de operações policiais

Fonte: O Globo (RJ)
Apesar de o Complexo da Maré estar ocupado por forças de segurança para a instalação de UPPs, o dia a dia de violência já fez mudar até o horário Escolar. Das 30 unidades da rede municipal de Ensino localizadas dentro e na periferia do conjunto de favelas, 20 passaram a abrir as portas meia hora mais tarde (às 8h) e a fechar 30 minutos mais cedo (às 16h). O pedido foi feito por um grupo de diretores à secretária municipal de Educação, Helena Bomeny, para reduzir efeitos de possíveis confrontos na rotina de estudantes e Professores - medida que vigora desde agosto.
- Os diretores contaram que as incursões policiais nas comunidades começam muito cedo ou no fim da tarde. Disseram que, se a Escola abrisse às 8h, as operações já teriam acabado. Com os Alunos saindo mais cedo, eles também chegariam em casa antes das ações do fim da tarde. Combinamos que, mensalmente, a iniciativa seria reavaliada - afirmou a secretária. - Para que a carga Escolar dos Alunos nessas unidades não fosse prejudicada, mudamos também o horário das refeições. O Aluno que entra de manhã almoça na saída, e o pessoal da tarde chega mais cedo para almoçar antes de a aula começar.
Para uma Professora de uma Escola que fica na chamada "Faixa de Gaza" da Maré - entre as comunidades da Nova Holanda e da Baixa do Sapateiro, dominadas por facções rivais -, a mudança de horário era necessária, mas não soluciona o problema:
- Agora, as crianças faltam menos às aulas. Mas a mudança é um paliativo. Não são raros os casos em que os Alunos e nós mesmos somos surpreendidos por tiroteios estando dentro das salas de aula. As crianças já sabem o que fazer: elas se abaixam e vão para o corredor, onde é mais seguro.

Agosto foi o mês mais violento

Nos dez primeiros meses deste ano, na 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que inclui a Maré, setembro foi o que mais teve Escolas fechadas ao menos uma vez devido à violência: um total de 41 unidades. Mas, se considerado todo o Rio, foi o mês de agosto o recordista do ano em colégios e Creches que tiveram de dispensar os Alunos por causa dos confrontos em comunidades próximas. Foram 173, sendo que 50 apenas na 6ª CRE (região da Pavuna e Costa Barros), 30 na 4ª CRE e 24 na 7ª CRE (área de Jacarepaguá, Rio das Pedras, Cidade de Deus e Barra da Tijuca).
Na Maré, Alunos, Professores e outros funcionários de uma Escola que fica entre as comunidades do Timbau e da Baixa do Sapateiro ainda têm nítido na memória o dia 12 de março deste ano. Policiais militares ocuparam a rua e passaram a manhã trocando tiros com traficantes. Quase todos já estavam nas salas de aulas e foram para os corredores. Menos uma turma, que estava no refeitório, no primeiro andar, e ficou encurralada com a Professora durante toda a manhã.
- Fiz até uma foto deitada no chão, apavorada. Achei que seria a última. Foi a pior situação que já passei na vida - lembrou a Professora, que leciona na unidade há oito anos. - Foram muitos tiros, durante muito tempo. Só conseguimos sair da Escola por volta das 14h. Eu chorava muito. Achei que fosse morrer.
No colégio, estudam 510 crianças e adolescentes do 1º ao 6º ano do Ensino fundamental, moradores de diferentes comunidades do complexo. Quando a guerra começa em qualquer canto da Maré, eles se comunicam por WhatsApp e sabem se haverá aula ou não. Mas, quando já estão na Escola, o jeito é encontrar uma maneira de se proteger.
- Fico com muito medo, mas me agacho e espero passar. Geralmente é rápido - contou um menino de 12 anos, do 6º ano.
Um dos maiores problemas, segundo a diretora da Escola, é que a violência na comunidade também acarreta baixa frequência de Alunos:
- Eles não conseguem chegar porque passaram a noite sem dormir devido aos tiroteios ou porque o confronto começou na hora de vir para o colégio.
Ela conta que procura realizar projetos que reduzam o impacto dessa realidade. Além disso, a cada entrada de turno, as crianças rezam o pai-nosso no pátio.
- Mas vivemos sobressaltados. Teve um dia de agosto deste ano em que o simples ronco de uma moto assustou. Levamos as crianças para o corredor. Eu corri para a porta na tentativa de saber o tamanho do problema. Chegando lá, descobri que era só uma moto - diz.

Crianças convivem com traumas

Mãe de três Alunos da Escola, uma dona de casa conhece bem a rotina de violência na comunidade onde mora, a Vila Esperança. O marido já foi vítima de uma bala perdida quando voltava do mercado. Sobreviveu, mas, desde então, os filhos não brincam mais nas ruas e, com frequência, são obrigados a faltar às aulas por causa de tiroteios.
- Basta eu ver o helicóptero da polícia para não levá-los para o colégio. Lá é até mais seguro, mas não sei o que podemos encontrar pelo caminho - conta a mãe.
Moradora da Nova Holanda, na Maré, outra mãe, de 29 anos, tem que lidar com a violência do local onde mora e com os traumas dos quatro filhos, que só aceitam sair de casa se for para ir à Escola (fora da comunidade) ou algum outro lugar longe da favela. Ela mesma já se viu presa no meio do fogo cruzado, tentando retornar para casa com três dos filhos:
- Eles estudam fora da favela. Voltávamos do colégio quando começou o tiroteio, no meio da manhã. Ficamos passando de beco em beco. As pessoas, com medo, não abriam suas portas. A gente só ouvia os gritos de "não vai por aí" e "cuidado". Eles não podiam fazer operações assim no meio da manhã. Quando consegui chegar em casa, já passava das 13h. Foram quase três horas de fogo cruzado - diz ela.
A mulher conta ainda que chegou a tentar matricular os filhos na Escola do lado de casa. Mas, após um tiroteio que perfurou o muro da unidade, o filho mais velho, de 13 anos, não aceitou ir para lá.
- Por mim, eu nem morava na comunidade. Daqui, só gosto dos cursos de música que faço na (organização da sociedade civil) Redes da Maré - disse o adolescente, que prefere pegar uma condução para a Escola a estudar a alguns metros de casa.

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