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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Pátria Educadora é plano da presidente, diz Mangabeira


29 de Abril de 2015

Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos é criticado por apresentar projeto sem o MEC

Fonte: O Globo (RJ)


RIO - A ausência do ministro Renato Janine Ribeiro (Educação) nos debates em torno do plano da “Pátria Educadora” foi criticada por entidades e especialistas durante a reunião convocada pelo governo para debater a proposta. O encontro aconteceu anteontem em São Paulo e, em resposta aos questionamentos, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), responsável pela construção do projeto, divulgou ontem uma nota com esclarecimentos, assinada pelo titular da pasta, Roberto Mangabeira Unger.

Um dos pontos mais questionados por educadores presentes ao evento foi o fato de o novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, que assumiu o cargo no início do mês, até agora não ter se pronunciado sobre o projeto apresentado por Mangabeira. O plano prevê, entre outros pontos, a intervenção em redes com maus resultados e a criação de um plano de carreira nacional para docentes.
Mesmo sendo um documento preliminar, ainda aberto ao debate, a crítica é que, sem o respaldo de Janine, não fica claro como o governo conduzirá o projeto.
Para Mangabeira, está “claríssimo” que quem formula e conduz o projeto é “a Presidenta da República”. Segundo ele, a SAE apenas assessora Dilma e “o Ministério da Educação participou e participa de todas as etapas de formulação do projeto e terá, em colaboração com os estados e os municípios, a responsabilidade de executá-lo”.
A participação do MEC na elaboração do plano aconteceu apenas durante a curta gestão do ex-ministro Cid Gomes, que deixou o cargo em março.
Outra crítica de educadores que leram o projeto da SAE está no fato de ele dar pouca ênfase ao Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pelo Congresso no ano passado. Para Mangabeira, não haveria conflito entre os dois planos, pois o PNE seria uma “lei-arcabouço”, que fixa metas e define procedimentos. Enquanto isso, a proposta preliminar da Pátria Educadora começa a dar conteúdo a estas diretrizes. “Demarca trajetória para transformá-las em realidade”, diz no texto.
CONFIRA A NOTA NA ÍNTEGRA:
ALGUNS MAL-ENTENDIDOS E ALGUMAS DIVERGÊNCIAS SUSCITADOS NA REUNIÃO A RESPEITO DA PATRIA EDUCADORA DE 26 DE ABRIL DE 2015
Roberto Mangabeira Unger
Mais uma vez agradeço a participação de todos. Não quis usar nosso tempo para defender a proposta. A discussão revelou, porém, alguns mal-entendidos e algumas divergências que me permito comentar, na seguinte forma dialética.
Objeção: Não está claro quem formula e conduz o projeto Pátria Educadora.
Resposta: Está claríssimo. É a Presidenta da República, ainda mais por tratar-se do projeto prioritário do governo. A Secretaria de Assuntos Estratégicos apenas assessora a Presidenta. O Ministério da Educação participou e participa de todas as etapas de formulação do projeto e terá, em colaboração com os estados e os municípios, a responsabilidade de executá-lo.
Objeção: A proposta contradiz o Plano Nacional de Educação.
Resposta: Não há conflito. O Plano Nacional de Educação é uma lei-arcabouço. Fixa metas e define procedimentos. Invoca conceitos abstratos como o do regime de cooperação dentro da Federação sem dar-lhes conteúdo institucional. A proposta preliminar da Pátria Educadora (chamada aqui “a proposta”) começa a dar conteúdo a estas diretrizes. Demarca trajetória para transformá-las em realidade.


Objeção: Nada se conseguirá sem acertar com os estados e os municípios.

Resposta: É o que diz a proposta. Um de seus quatro eixos é o desenho institucional da cooperação federativa em educação. Até agora temos tido apenas fragmentos de federalismo cooperativo em matéria de educação. A proposta esboça o desenho institucional que falta.

Objeção: Não é desejável ou factível ter funcionários do MEC batendo às portas das escolas a título de recuperá-las quando tais escolas deixam de alcançar patamar mínimo de qualidade.

Resposta: Em nenhum momento sugere a proposta intervenção federal. Prevê cooperação federativa para socorrer escolas com desempenho inaceitável. Num primeiro momento, o socorro viria de quadro de orientadores recrutados de todos os três níveis da Federação. Em segundo momento, a cooperação atuaria por meio de órgãos transfederais, compostos por representantes do governo federal, dos estados e dos municípios.
O ponto crítico é o que fazer quando, apesar de todos os esforços, tal socorro não basta. Precisa haver procedimento transfederal, ou de cooperação federativa, para organizar resgate, mobilizando recursos humanos e financeiros adicionais e, substituindo, quando necessário, os gestores atuais de escolas malogradas. Não admiti-lo equivale a transgredir o princípio de que a qualidade da educação que um jovem recebe não deve depender do acaso do lugar onde ele nasce. O direito da criança se sobrepõe às prerrogativas do gestor.

Objeção: Certos elementos da proposta são inconstitucionais.

Resposta: A proposta é clara em distinguir etapas de seu desdobramento que são infralegais (mudar práticas sem mudar leis), legais (mudar leis) e constitucionais (mudar a Constituição). Nosso federalismo, cujas origens históricas estão no federalismo norteamericano, apenas abre brechas para a cooperação federativa, especialmente no artigo 23, que governa as competências concorrentes dentro da Federação. Falta de imaginação jurídica e constitucional é nociva para todas as políticas públicas. Revisão constitucional não é tarefa para agora. Poderá ser, porém, tarefa para depois.

Objeção: Em matéria de currículo, há conteúdos indispensáveis. O currículo deve ser sequência de conteúdos, não apenas de competências.

Resposta: O que vale como palco para a aquisição de competências analíticas é aprofundamento seletivo. Não há vínculo inquebrantável entre tais competências e qualquer rol de conteúdos consagrados. A tentativa de consagrá-los abre a porta para os dogmatismos e dilui o foco em habilidades básicas, como interpretação de texto e raciocínio lógico.A plausibilidade do compromisso com tais conteúdos, supostamente indispensáveis, resulta em parte de uma confusão: nos degraus inferiores do ensino conteúdos e
competências de confundem. Logo começam a divergir: as mesmas competências se podem adquirir ao lidar com conteúdos alternativos. Profundidade pesa mais do que abrangência.

Objeção: É preconceituoso supor que os alunos vindos de famílias pobres tendem a enfrentar maiores obstáculos pré-cognitivos ou "socioemocionais" ao aproveitamento escolar do que os filhos da classe média.

Resposta: O mundo não é como gostaríamos que fosse. O estudo empírico comprova, de maneira inequívoca, que numa sociedade de classes, como são todas as sociedades contemporâneas, formas de consciência e de comportamento importantes para o aproveitamento escolar não estão igualmente acessíveis a crianças de todas as classes. Considere-se, por exemplo, a seguinte questão. A capacidade para planejar o trabalho no tempo e a disposição para dar peso ao futuro estão presentes tão forte e comumente em crianças pobres e em crianças burguesas? Os estudos de sociólogos como Pierre Bourdieu, Bernard Lahire e, entre nós, Jessé de Souza demonstram que não. Tais efeitos da estrutura de classes exigem respostas, como, por exemplo, estreitamento do vínculo entre a escola e a família e organização cooperativa da educação, com base em equipes de alunos e de professores. Homenagens ao politicamente correto não resolvem o problema.

Objeção: Assegurar oportunidades acadêmicas especiais para jovens com vocações incomuns é anti-democrático.


Resposta: Todas as democracias contemporâneas enfrentam a tensão entre compromisso igualitário e respeito pelos talentos individuais. Igualdade não é nivelamento. A supressão das vocações extraordinárias empobrece a todos tanto quanto a recusa em reconhecer que nem todos aprendem do mesmo jeito. Daí a importância de oferecer sequências curriculares especiais ao lado da sequência padrão. Faz parte do esforço para sacudir a mediocridade, no benefício de todos.

Objeção: A proposta faz da tecnologia um fetiche ao mesmo tempo que apresenta visão estreita de seu potencial.

Resposta: O potencial da tecnologia para acelerar a qualificação do ensino básico depende de práticas cooperativas e de atitudes experimentalistas. Estas atitudes e práticas são mais importantes do que seus instrumentos tecnológicos. Determinam-lhes a eficácia.

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