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sábado, 3 de janeiro de 2015

Novo modelo contra velho problema

03 de janeiro de 2015
Governo quer estudo dividido em áreas de interesse para conter evasão, que afeta 10% dos alunos. Reformulação radical do Ensino Médio é uma das propostas do novo ministro da Educação Cid Gomes

Fonte: O Globo (RJ)

A reformulação radical do Ensino médio proposta pelo novo ministro da Educação, Cid Gomes, é uma tentativa do governo da presidente Dilma Rousseff — cujo slogan neste segundo mandato é “Brasil, pátria Educadora” — de combater a evasão, problema que atinge cerca de 10% dos estudantes dessa fase tida como o grande gargalo da Educação básica. Entre 2011 e 2013, 12% dos Alunos foram reprovados, 30% estavam em atraso de mais de dois anos, e 40% não haviam conseguido concluir o Ensino médio até os 19 anos.
Para tentar tornar o currículo mais palatável, evitando o abandono, a principal proposta prevê que os Alunos deverão eleger áreas de interesse, divididas de modo similar ao verificado hoje no Enem, o Exame Nacional do Ensino médio (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas).
Apesar de ainda não haver um caminho totalmente traçado para a mudança, a tendência é que as 12 matérias hoje obrigatórias, além de outras frequentes nos currículos, sejam discriminadas por essas grandes áreas. E o prazo já foi estabelecido: em cerca de dois anos, segundo Cid Gomes, os estudantes estarão cursando um Ensino médio renovado.
Escolha antecipada. A estudante Camila Deppe considera que eleger uma área já no Ensino médio é precoce
Ontem, durante a cerimônia de transmissão de cargo, em Brasília, que contou com a participação do ex-ministro Henrique Paim, Gomes prometeu um debate aprofundado com diferentes atores sociais:
— Isso ( a reformulação curricular) não é uma coisa que eu possa dizer como será: tem que ser antecedida de um grande processo de discussão, com o qual Educadores, Professores, diretores e a universidade devem contribuir. Eu, particularmente, penso que é importante que a gente, já no Ensino médio, vá oferecendo aos estudantes a possibilidade de um aprofundamento nas áreas com que têm mais identificação e afinidade.
A revisão curricular deverá ocorrer simultaneamente a outro debate previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho passado: a definição de bases nacionais curriculares comuns nos Ensinos fundamental e médio. A ideia é definir os conteúdos mínimos a ser estudados no país.
— O processo demandará diálogo, pois os sistemas no Brasil são autônomos. O Estado de São Paulo pode fazer o seu currículo, o Rio de Janeiro pode fazer diferente. O que queremos, então, é caminhar para a unificação de um currículo básico e, no Ensino médio particularmente, abrir a discussão para examinar alternativas de aprofundamento por áreas — disse o ministro.
MEC JÁ COGITAVA SEGMENTO ALINHADO AO ENEM
O MEC, junto com o Conselho Nacional de Educação, já vem trabalhando na mudança do segmento há algum tempo. Num seminário na Fundação Getúlio Vargas, em setembro passado, no Rio, o ex-ministro Henrique Paim antecipou que as áreas de conhecimento do Enem poderiam ser o referencial do novo currículo. Caso os estudantes de fato passem a estudar com mais ênfase os conteúdos com que se identificam prioritariamente, o próprio exame nacional, porta de entrada principal para a universidade pública, sofreria flexibilização, cobrando mais de cada candidato os temas estudados por ele.
Temendo as mudanças, estudantes que ainda entrarão no Ensino médio se dizem preocupados. Camila Deppe, aluna do Colégio Pedro II, na Zona Sul carioca, iniciará essa fase de estudos este ano e crê que a obrigatoriedade de escolher um caminho específico agora seria precoce:
— Já sentia muita pressão pelo grande número de matérias e sei que vou sentir mais. Porém, acho importante saber um pouco de cada disciplina antes de tomar uma decisão. Eu, por exemplo, não tenho preferência por nenhuma área especifica. Gosto de matemática e sociologia. Escolher um caminho seria complicado. O colégio tem que ser um ambiente de descoberta.
Opinião semelhante tem Lucca Collaris,de 14 anos, Aluno do Colégio Salesiano, em Niterói, e que cursará o 9º ano do fundamental em 2015:
— Um engenheiro, por exemplo, precisa saber um pouco de tudo. O conhecimento de geografia é básico. Precisa saber português, para poder escrever um texto para o chefe. Não adianta só saber cálculo. Se o novo currículo for adotado, seremos forçados a decidir ainda mais cedo a nossa carreira. Eu sempre quis fazer engenharia, sempre mexi com robótica. Mas tenho muitos amigos que não escolheram a profissão.
Se, para os Alunos, a mudança pode ser um problema, para Professores e diretores é uma solução. Edgar Flexa Ribeiro, presidente do Sindicato das Escolas Particulares no Estado do Rio, acredita que o segmento precisa ser modificado para privilegiar o aprofundamento de alguns conhecimentos:
— Existe uma base que todo mundo tem que saber. Como era no modelo antigo, com o cientifico e o clássico. Existia um aprofundamento de algumas áreas, mas o Aluno tinha um conhecimento de todas. Não se pode negar a matemática só porque o Aluno escolheu a área de humanas. Mas o indivíduo não pode ficar amarrado a um currículo e perder a chance de expandir o seu conhecimento.
Afonso Celso Teixeira, vice-presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro, concorda e aponta que o ministério deve buscar formar um Aluno mais crítico mas também apto ao Ensino técnico:
— A flexibilização é importante para pensar o aprofundamento, mas ela não pode servir para tirar a formação crítica do Aluno. Ela tem que ser usada para que o estudante possua um direcionamento em seus estudos, o que pode auxiliar muito na expansão e no aprimoramento do Ensino técnico.
Citada pelo ministro como um problema para a consolidação de um currículo comum, a falta de integração nacional também é vista como uma dificuldade para Antônio Freitas,pró-reitor da Fundação Getúlio Vargas e membro da Academia Brasileira de Educação:
— É necessário mobilizar nacionalmente para que essa reforma aconteça. Ela afeta a realidade de lugares onde a Educação é uma dificuldade. Deixar o Aluno escolher é muito melhor do que a evasão que se tem hoje nas mais variadas regiões.
Para Solange Assis, especialista em currículos Escolares pela Universidade do Estado do Rio (Uerj), a maior dificuldade que o novo modelo enfrentará será a regionalização pregada pelo novo ministro:
— O Enem possibilitou que Alunos de diferentes regiões competissem nacionalmente, mas isso faz com que a prova tenha que ter um conhecimento comum a todos os estudantes. O problema disso é que você perde a regionalização. O saber local fica diluído, e o Ensino pode acabar pasteurizado.
Ex-consultora da Unesco e vice-presidente da Academia Paulista de Educação, a Professora aposentada da USP e pedagoga Bernardete Gatti acredita que uma reforma curricular no Brasil só terá efeito se for conjugada com mudanças profundas no modelo de formação de Professores.
— Não temos Professores formados para executar uma mudança desse porte. É uma falha enorme que tem se tentado suprir, sem sucesso — pondera.
Bernardete defende a discussão de um projeto voltado especialmente para a licenciatura, com destinação de verbas para subsidiar bolsas de estudos para Docentes e inovação na formação continuada.
Já o cientista social e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, defende que a reforma se estenda também aos anos finais do Ensino fundamental. Ele afirma que as reformas curriculares das últimas décadas, registradas no governo militar e durante os mandatos de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva , foram conduzidas pelos “melhores pensadores” do país. No entanto, não surtiram o efeito esperado por não terem tido Professores na sua construção.
— Nos países com os maiores avanços em termos de currículo, houve processos democráticos e consultivos. Foram processos que tiveram como princípio ouvir diferentes atores. Não vejo caminho que dê certo além desse — sustenta o cientista social.
REAJUSTE SERÁ DEFINIDO NA PRÓXIMA SEMANA
A valorização da profissão do Professor é vista pelas lideranças e pelos especialistas como fundamental neste novo momento. Cid Gomes anunciou ontem que o reajuste do piso salarial em 2015 será definido na próxima semana e prometeu “valorizar os Professores”, sem detalhar como. O novo ministro afirmou que a remuneração é “apenas um dos caminhos” para que a área tenha avanços.
Uma das possibilidades acenadas é a avaliação dos profissionais da Educação para fins de progressão na carreira:
— Avaliação de Professores como uma forma de procurar melhorar. É um debate que eu pretendo colocar (em pauta).
Cid Gomes não deixou de comentar os ataques que vem recebendo devido a um comentário que fez em 2011. Na época, o então governador do Ceará, em meio a uma negociação salarial com os Professores do estado, teria dito que os Educadores deveriam trabalhar por paixão, e não por dinheiro.
— O que eu disse é que servidor público, quer seja ele vereador, prefeito, governador, deputado, médico ou Professor, tem que ter, antes de qualquer coisa, vocação para isso. Porque é uma atividade de doação. É um espaço que tem por natureza a disposição de sacrifício pessoal. E que, portanto, isso é fundamental: vocação, amor pelo que faz. Claro que tem que ter boa remuneração. Eu nunca disse que não teria. E seria um contrassenso, porque eu sou filho de pai e mãe Professores. E, lá em casa, o papai garantia o básico, mas qualquer extra era a mamãe que dava. Então, até por experiência pessoal, eu sei que é importante que os Professores sejam bem remunerados.
 
Matéria publicada apenas em veículo impresso

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