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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Para educadores, não há democracia na discussão sobre eleições escolares

06 de novembro de 2014
Agressões a quatro professores e "tratoraço" na prorrogação dos mandatos dos atuais diretores sinalizam truculência do governo estadual sobre o tema

Fonte: Gazeta do Povo (PR)

Tanto especialistas quanto professores concordam que é preciso mudar o atual processo eleitoral das direções das escolas estaduais do Paraná, mas criticam a forma truculenta como o governo estadual vem conduzindo as alterações. A prorrogação do mandato dos atuais diretores em um ano, período em que deverão ser definidas novas regras para o pleito, foi aprovada anteontem em meio a agressões a pelo menos quatro professores que protestavam contra a medida, cometidas por seguranças da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). A justificativa para aprovar em uma sessão relâmpago o projeto de lei do governo do estado foi que será necessário, em 2015, fazer um “amplo debate” para melhorar o atual modelo.
As eleições escolares estavam marcadas para o próximo dia 26 e tinham, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), cerca de 10 mil pessoas inscritas para concorrer aos cargos dos 2,5 mil colégios.
O presidente da entidade, Hermes Silva Leão, diz que questões políticas podem ter motivado o tratoraço na aprovação da medida, e que houve pressão de alguns parlamentares para isso, com apoio de diretores que querem continuar com o mandato por mais um ano. “Esse movimento político de aliança ficou muito claro na sessão da Assembleia”, diz. Ele concorda que pode haver mudanças, mas que a forma precisa ser revista. “A alteração foi feita sem consulta ao sindicato. Em nenhum momento dos quatro anos de governo foi pautada a revisão dos mandatos”, critica.
O secretário estadual de Educação, Paulo Schmidt, disse que, de fato, alguns diretores procuraram deputados e pressionaram o governo a suspender as eleições. Segundo ele, no entanto, o que está em jogo não são questões partidárias, mas uma discussão que leve ao aumento da participação da comunidade escolar no ensino e que chegue a um modo de fazer os diretores serem mais bem capacitados para exercer o papel de gestão. Sobre o fato de o projeto não ter sido apresentado antes, o secretário aponta a greve de professores no mês de abril, a Copa do Mundo, as eleições nacionais e as enchentes no estado como entraves. “Tudo isso afetou bastante o calendário. Mas a manifestação contrária [à realização de eleição neste ano] foi tão intensa por parte dos próprios diretores, que chegamos a essa alternativa”. Schmidt prometeu abrir uma consulta pública para que a comunidade possa discutir o assunto a fundo.
Agredidos
Os professores agredidos, que estavam na Alep, registraram queixas sobre o fato na polícia e a APP, por sua vez, promete tomar providências. Por telefone, dois deles disseram que se sentem humilhados. “A minha alma foi marcada pela vida inteira, eu preciso me recuperar para ser a profissional que eu sou dentro da minha escola”, afirma a professora Sandra Thaís Gomes, de Paranavaí, que foi atirada sobre as cadeiras da Alep e teve o nervo ciático lesionado. Ivan Ramos Bernardo, também de Paranavaí, foi arrastado pelo seguranças e sofreu escoriações. “Esse projeto é ilegal, é uma intervenção nas escolas públicas do Paraná, na verdade é um golpe, pois não está respeitando a lei. Isso vai gerar desconfiança nas escolas”, avalia.
Pesquisadores veem chance de mudança com bons olhos
Dois especialistas em educação ouvidos pela reportagem apontam que a democracia é fundamental para a gestão de escolas. Ambos, no entanto, concordam que, no atual modelo, há circunstâncias em que bons professores são conduzidos à direção sem que estejam preparados para o cargo. Por esse fato, os dois dizem que a iniciativa do governo de colocar o tema em debate, no próximo ano, é positiva.
Marcos Meier, psicólogo e educador, classifica o processo democrático como fundamental. Ele aponta que a consulta à comunidade escolar precisa continuar existindo, e ressalta o aspecto da autoridade, quando um líder é escolhido diretamente. “Um diretor que foi eleito pela comunidade vai gerir a escola com autoridade. Se vem alguém de fora, ele é facilmente boicotado. Portanto, fortalecer a democracia na escola é fundamental.”
Meier, no entanto, diz que não viu com a devida importância, no debate feito até agora, o fato de que diretores necessitam de conhecimentos específicos para exercer a função. “Para ser gestor é preciso um conhecimento que o professor não tem. Ao assumir a gestão, ele não trabalha mais com as funções de ensino-aprendizagem. Ele precisa dominar conceitos de gestão, economia, caixa, documentação, contabilidade, etc. O que tem acontecido é que esses gestores estão assumindo sem nenhum tipo de formação.”
O consultor educacional Renato Casagrande ressalta que a gestão democrática em uma escola não se resume à escolha do diretor. “É muito mais ampla. Um dos componentes dela pode ser a eleição dos diretores. Eu defendo a eleição de diretores, desde que tenhamos um processo híbrido. Que tenha consulta [eleições], mas que tenha avaliação de competências.”
Casagrande defende que seja feito um curso para o professor que quiser se candidatar à direção. Segundo ele, assim seria possível escolher entre os postulantes ao cargo, sem ferir o direito democrático, ao mesmo tempo em que se garante que todos os possíveis diretores tenham capacidade para exercer a função de maneira eficiente. “Eu fui diretor de escola pública, ganhei as eleições, fui diretor, convivi com outros diretores e sei que não basta apenas a eleição. É preciso avaliação de competência.”

>Entenda
Veja como é a eleição hoje e o que o governo estadual diz para justificar mudanças no processo:
Como funciona hoje
O mandato dos diretores das escolas públicas vale por três anos e quem assume o cargo pode ser reeleito por mais duas vezes. A Lei 14.231/2003, que rege as eleições dos diretores, determina que os candidatos devem, entre outros requisitos, “pertencer ao Quadro Próprio do Magistério, ao Quadro Único de Pessoal ou ao Quadro Próprio do Poder Executivo”, além de “possuir curso superior com licenciatura ou, quando se tratar de Estabelecimento de Ensino que ministre apenas educação infantil e ensino fundamental até a 4.ª série, pelo menos o curso magistério”.
O que diz o texto da Alep
O pedido do governador Beto Richa à Alep para que o processo eleitoral nas escolas seja rediscutido não traz sugestões pontuais de mudança. É, inclusive, contraditório. Ao mesmo tempo em que diz que a “gestão democrática” é uma das razões para o adiamento das eleições”, o governador afirma que o Paraná é destaque na escolha democrática destes gestores. O texto ainda fala na necessidade de valorizações dos diretores de escolas e de discussão de melhorias na educação. “O adiamento pelo prazo de um ano nos permitirá, inclusive, vincular essa discussão a outras ações de elevada importância”, diz o texto.

>Entrevista
Eleições para diretor terão “amplo debate”, diz secretário
Em uma sala de reuniões com cadeiras que lembram os tempo de escola, na superintendência da Secretaria Estadual de Educação, o secretário da pasta Paulo Afonso Schmidt, recebeu a reportagem da Gazeta do Povo ontem. Em pouco mais de 20 minutos, e uma xícara de café, Schmidt comentou a suspensão das eleições e apontou para um “amplo debate” sobre o assunto. Questionado sobre o fato de continuar no cargo no ano que vem, no entanto, ele diz não saber nada sobre o assunto. “Ainda não há qualquer conversa nesse sentido.” Veja um resumo dos principais pontos da conversa.
O senhor acha que houve exagero de alguma das partes na discussão que aprovou a prorrogação dos mandatos dos diretores nas escolas na Assembleia Legislativa do Paraná?
Paulo Schmidt: A discussão, o debate, é parte do processo democrático. O que a gente lamenta, na verdade, são os exageros que acabam acontecendo, situações que vimos de conflito, eu acho que o debate não justifica isso. Tenho certeza que a própria assembleia, que deve estar apurando, e uma reflexão dos próprios envolvidos. Eu vi imagens pela TV, não tenho como dizer [se houve exagero]. O que eu vi não foi bom, foram atitudes extremas que a todo custo devem ser evitadas.
Por que foi tomada a decisão de prorrogar os mandatos dos diretores?
Paulo Schmidt: Eu procurei contato com as escolas [ao longo do ano] e fiz reuniões com todas as escolas públicas do Paraná. Em todas as reuniões, o tema eleições era eleições o que causava maior polêmica. Não diria que há unanimidade, mas a grande maioria defende modificações no modelo atual. Os principais pontos são questão da escolha, número de sucessões, a grande maioria defendendo aumento na participação da comunidade nessa decisão. Todas as propostas demandam uma discussão mais ampla com toda a comunidade escolar e com a sociedade. E não havia tempo disponível nesse momento.
A eleição para a escolha de diretores, após as alterações, corre o risco de deixar de existir?
Paulo Schmidt: A eleição é o processo legítimo de escolha, ele se fortalece dentro das perspectivas, a ideia é fortalecer esse processo, eu diria até que muito além das questões partidárias. Precisamos apontar que espaço a educação precisa ocupar na agenda de debates desse país. E quando olhamos para a escolha do diretor, é momento importantíssimo. Governo jamais vai abrir mão desse processo de eleição. O governo quer fortalecer o princípio da democracia.


Leia a reportagem no site original aqui

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