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sábado, 7 de junho de 2014

Universidades pleiteiam condução do programa Ciência sem Fronteiras


DAVI LIRA E OCIMARA BALMANT - IG ÚLTIMO SEGUNDO - 07/06/2014 - SÃO PAULO, SP

Para os reitores ou responsáveis pela assessoria internacional das universidades brasileiras, vários dos problemas do programa Ciência sem Fronteiras (CsF) - como o envio de bolsistas a universidades de pouco prestígio, a falta de acompanhamento e avaliação e dificuldades de validação de créditos cursados no exterior dos alunos – poderiam ser solucionados se a gestão do programa fosse repassada às instituições de ensino.
Atualmente, cabe à Capes e ao CNPQ (agências de fomento do governo federal que coordenam o CsF) fazer a pré-seleção dos bolsistas homologados pelas universidades e coordenar a intermediação - através de parceiros internacionais - entre os estudantes brasileiros e as instituições estrangeiras.
De acordo com o pró-reitor de graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Custódio Almeida, a participação das universidades no programa deve ser maior. `A gestão do programa nacional deve ficar na esfera federal, mais a operacionalização deve ser mais compartilhada. Percebemos que as universidades poderiam participar, efetivamente, muito mais dos processos`, diz Almeida.
Atualmente, segundo o pró-reitor da UFC, a universidade sequer sabe o número de bolsas reservadas à instituição em cada edital de bolsas do CsF. Tal informação poderia contribuir com a melhoria do processo de pré-seleção dos candidatos. Além disso, essas aberturas de seleções públicas, via editais, também deveriam ser melhor estruturadas. `O calendário das seleções deve ser melhorado, para dar mais tempo para o planejamento. É preciso que a universidade tenha o controle e prazo para melhor orientar o aluno antes da viagem`, fala.
O pró-reitor de graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Renato Crespo, compartilha de opinião semelhante. “No Ciência sem Fronteiras, o aluno se inscreve e faz tudo sozinho. Não é o melhor modelo. Se ele saísse com um plano de ação desenhado com a universidade daqui, ficaria muito mais fácil”, diz.
Hoje, há estudantes que acabam partindo para o exterior sem o plano de estudos - que relaciona as disciplinas que serão cursadas lá fora - avalizada pelos coordenadores de cursos no Brasil, conforme relatado na reportagem sobre problemas supervisão de bolsistas e na validação de créditos. Além disso, nem sempre as universidades estrangeiras que têm convênio com o programa CsF exigem planos de estudo. Conforme documento a que o iG Educação teve acesso, essa foi uma das falhas do programa que foram discutidas por pró-reitores de universidades e centros universitários brasileiros no último fórum da categoria.
Ao comparar o CsF com outros programas de intercâmbio da UFF Crespo diz que, nas parcerias em que cabe à universidade fazer o acompanhamento do estudante, é muito mais fácil garantir que os créditos cursados sejam validados na volta. “Acho que dar às universidades o papel de gestora faz parte do avanço do programa, será um bom ajuste”.
O assessor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UfAbc), Carlos Kamienski, defende que o gerenciamento do programa seja feito pelas universidades do País. Hoje, diz ele, a instituição brasileira apenas participa no momento de homologar os alunos. “A partir daí, a gente perde o controle do que acontece: para onde ele vai, o que ele vai fazer, se vai escolher ou não a melhor disciplina. Só nos falamos outra vez, quando ele retorna com o histórico escolar para validação”, conta.
Para ele, a mudança teria muitos benefícios. Em primeiro lugar, facilitaria a validação dos créditos. “Faríamos acordos bilaterais com as universidades estrangeiras já com a previsão de disciplinas que poderiam ser co-validadas”. Além disso, complementa, a universidade poderia avançar em outros interesses. “É um relacionamento com muito potencial de gerar colaborações em outras áreas, em outros acordos de pesquisa.”
Mas, se para as grandes universidades, tomar a gestão para si tenha todas essas benesses, as pequenas instituições – muitas delas (incluindo as privadas) nunca haviam enviado alunos ao exterior antes do CsF – poderiam não ter essa expertise.
A Universidade Federal do Acre, por exemplo, só enviou até agora oito bolsistas pelo programa. Enquanto isso, a federal do Pará - referência na região - já mandou mais de 800 alunos. A líder do País, a Universidade de São Paulo (USP) já têm mais de 11 mil estudantes com bolsas implementadas.
Consórcio
Assim, para suprir essa carência, poderiam ser criados consórcios, sugere José Celso Freire Júnior, assessor-chefe da assessoria de relações exteriores da Unesp. “Seriam grupamentos de instituições grandes e pequenas que poderiam estar unidas na formatação dos convênios com as instituições estrangeiras. Esse tipo de atuação já existe em outros programas no Brasil e tem dado muito certo.”
Os ganhos da criação desses consórcios, nesse caso, seriam ainda maiores. “Além da comunicação com as instituições de ensino do exterior ser mais eficaz, isso provocaria, inclusive, uma troca interna, com as universidades mais avançadas no processo de internacionalização de estudantes ajudando as universidades menores nessa empreitada”, explica o assessor-chefe da assessoria de relações exteriores da Unesp.
Com a gestão centralizada do jeito que está, diz Freire Júnior, “o Ciência sem Fronteiras é um programa de mobilidade mas passa longe de ser uma estratégia eficaz de internacionalização da graduação brasileira”.
Quero voz!
Conforme o iG Educação apurou, os gestores universitários e os representantes das assessorias internacionais das instituições querem ter mais voz e participação nas decisões e em encontros que definem os rumos do CsF. São nessas instâncias que são traçadas mudanças nas regras do programa, o que sempre acaba impactando a forma como é conduzida a iniciativa. Além disso, pela expertise das universidades, brechas em editais poderiam ser sanadas.
Hoje, conforme a reportagem apurou, para ter a candidatura homologada no País para posterioremente ser pré-selecionado pelas agências de fomento, o candidato só precisa demonstrar o perfil de excelência acadêmica durante o processo de seleção. Após a definição da bolsa, ele pode, por exemplo, ser reprovado por falta ou por baixo rendimento antes da viagem.
`O perfil de excelência deveria ser cobrado até o dia da viagem, o que não ocorre atualmente. Há casos em que os estudantes já sabem que vão ser selecionados pelo programa e acabam, poseriormente, se matriculando apenas para manter o vínculo, mas não comparecem mais à universidade, sendo assim reprovado por faltas`, diz Josilan Barbosa, da coordenação do programa CsF na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Outros problemas que estimulam alunos a desvirtuarem os objetivos do programa , conforme mostrado na reportagem sobre o `Turismo sem Fronteiras`, também poderiam ser melhor administrados. `Nos encontros realizados com as equipes de cooperação internacional das universidades a gente percebe que todo mundo reclama da mesma coisa: falta transparência. Ainda não temos um canal direto com a Capes e o CNPq para tirar dúvidas com facilidade e rapidez`, diz Barbosa.
Segundo ele, todos esses problemas foram formalizados e entregues aos gestores do programa. `Há dois anos as assessorias internacionais veem relatando as questões que precisam ser melhoradas por meio de documentos. São sempre as mesmas reclamações e nada se faz. Não existem mudanças efetivas para a melhoria completa do gerenciamento dos processos envolvendo o programa”, fala.
Outro lado
De acordo com o que o iG Educação apurou, há um movimento dentro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que pensa em dar mais poderes sobre a gestão do programa às universidades.
O Ministério da Educação (MEC), contudo, ao ser consultado, informou que `a gestão do programa continuará com as agências federais de fomento responsáveis por sua condução`. No entanto, o ministério menciona que `as universidades têm papel fundamental no processo de internacionalização da educação superior brasileira`.
À respeito de críticas à falta de articulação com outros entes da sociedade civil organizada, em reuniões e encontros que definem os rumos do programa, a pasta fala que `o programa foi amplamente debatido com as instituições brasileiras`.
Sobre o cronograma dos editais do CsF, o ministério informa que `as chamadas variam de acordo com o país de destino e a data de início das atividades é prevista em edital. Vale destacar que a Capes, nas negociações realizadas com os parceiros e instituições estrangeiras, considera e busca sempre a compatibilização dos calendários nacionais e internacionais`.
À respeito do controle dos estudantes, o MEC afirma que `o acompanhamento do aluno é feito desde a sua candidatura, permanência no exterior até o retorno ao Brasil. Durante a permanência no exterior, os bolsistas são acompanhados pelas instituições estrangeiras e pelos parceiros internacionais responsáveis por sua alocação no exterior`.
Por fim, sobre o reconhecimento das disciplinas cursadas no exterior, o órgão afirma que a questão é de responsabilidade das universidades brasileiras. `Elas possuem autonomia para reconhecer o que foi cursado no exterior`.

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