CAMILA GUIMARÃES - REVISTA ÉPOCA - 03/06/2014 - RIO DE JANEIRO, RJ
Neste ano, o Brasil conseguiu cumprir uma das metas mais ambiciosas determinadas na reforma do ensino básico: dar educação de qualidade a todos os alunos, independentemente de sua origem socioeconômica. Os indicadores divulgados pelo Ministério da Educação na semana passada mostram que o desempenho dos alunos nas cidades mais pobres do país se igualaram ao das cidades mais ricas. O relatório mostra também que a maioria das redes municipais e estaduais de ensino oferecem educação de qualidade com equidade. Quase 95% das redes deram ensino adequado a suas escolas, não importando se elas estão em bairros pobres ou ricos.
Os resultados são da avaliação anual que o governo brasileiro faz do ensino básico. São aplicadas provas de português, matemática e ciências para os alunos do 3º, 5º e 9º anos, além do 3º ano do ensino médio. A divulgação dos números nacionais aconteceu algumas semanas depois dos resultados do Pisa, a avaliação internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede os conhecimentos, nas mesmas áreas, de alunos de 15 anos de mais de 60 países. Na prova aplicada no ano passado, o Brasil conseguiu sua melhor colocação. Ficou entre os dez melhores do mundo, à frente dos Estados Unidos e da França, e atrás apenas de tradicionais campeões como Finlândia e Coreia do Sul.
A meta da qualidade com equidade é perseguida há quase duas décadas. Antes da grande reforma do ensino básico, que aconteceu a partir de 2015, a equidade era o maior desafio da educação brasileira. Os números de então mostravam uma situação complicada. A média da nota (do 5º ano) do Estado com melhor desempenho, Minas Gerais, era de 5,8. A do pior, Alagoas, 3,5. Entre as cidades, a diferença era maior ainda. Claraval, em Minas Gerais, tinha 8,3. Monteirópolis, em Alagoas, 2,5. Mesmo os alunos com melhor desempenho não aprendiam o que deveriam na idade prevista. Apenas 27% dos alunos do último ano do ensino fundamental sabiam o mínimo de português. De matemática, 17%. A situação do ensino médio era ainda mais dramática. Só 10% seguiam adiante sabendo matemática. E 29%, português.
A virada na qualidade da educação pública brasileira começou quando o país se voltou para a Finlândia, país referência em qualidade. De lá, veio a inspiração para os dois pilares da reforma: a valorização da carreira do professor e o currículo único nacional, que determina o que cada aluno deve saber ao final de cada ano escolar.
Assim como na Finlândia, ser professor no Brasil de hoje dá prestígio. Com salário inicial de R$ 10 mil, valor no mesmo patamar que a média dos países da OCDE, todos os professores têm mestrado, obrigatório para quem quer ensinar crianças a partir de 6 anos. Ao contrário do que acontecia em 2014, a carreira do professor segue a meritocracia. As escolas públicas são livres para negociar salários, contratar os melhores e demitir os piores profissionais. Há 16 anos, o corporativismo impedia avanços nessa direção. Os professores ganhavam aumentos iguais, de acordo com o tempo de serviço. Seus empregos eram estáveis e não havia nenhum tipo de avaliação de desempenho. Hoje, os professores passam por avaliações e recebem apoio do governo para melhorar seus pontos fracos. O investimento público em treinamento de professores só é superado pelo pagamento de salários. O engajamento da sociedade na valorização do professor foi fundamental. Governo, entidades ligadas à sociedade civil e os sindicatos conseguiram chegar a um acordo. O pacto seguiu para a esfera política. Qualquer que fosse o partido no governo, a prioridade era fazer a reforma dar certo.
A segunda inspiração que veio da Finlândia foi criar uma referência nacional do que os alunos de cada série do ensino básico devem aprender. As redes e as escolas têm liberdade de trabalhar os conteúdos como bem entenderem, mas sempre seguindo critérios estipulados pelo MEC. Um problema específico recebeu especial atenção: o currículo do ensino médio. Em 2014, o Brasil oferecia apenas um tipo de ensino para os jovens, voltado para o vestibular, com um currículo pouco atraente. A evasão era de quase 40%. A solução foi criar escolas voltadas para o mercado de trabalho, em período integral. Os jovens escolhem que escola preferem. Assim como na Finlândia, o ensino médio não é obrigatório no Brasil, mas apenas 1% dos alunos que terminam o ensino fundamental deixou de cursá-lo.
Como todos os países desenvolvidos, o Brasil passou a investir mais na educação básica que no ensino superior. Em 2014, investíamos o quíntuplo num aluno de universidade do que no ensino fundamental. Essa proporção se inverteu quase ao mesmo tempo que o país aumentou o patamar de investimento geral na educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda há muito a fazer para melhorar, mas a lição de casa foi feita.
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