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01/05/2013 |
Das cerca de 1.250 línguas indígenas que eram faladas no Brasil na época do descobrimento, em 1500, mais de mil se perderam para sempre ao longo desses cinco séculos. E, pelo menos, uma língua nativa vai desaparecer a cada década, de acordo com estudos conduzidos pelo professor Aryon Dall"Igna Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília (LaLi-UnB).
Em alguns casos, poucas pessoas mantêm vivas as palavras de idiomas nativos, como o dos três únicos índios que falam canoê, em Rondônia, e dos dois que se comunicam em piripicura, em Mato Grosso. Mas nem os órgãos de Estado sabem exatamente quantas línguas nativas ainda são faladas no Brasil.
O último levantamento do Lali-UnB apontou a existência de pelo menos 199 línguas indígenas no Brasil. As afinidades gramaticais e léxicas entre muitas delas permitem que sejam agrupadas em 42 famílias linguísticas, derivadas de troncos, dos quais se destacam o tupi , com 10 famílias, e o macro-jê, com 12. O Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, contabilizou 897 mil índios em todo o território nacional, divididos em 305 etnias e 274 línguas. Para a Fundação Nacional do Índio (Funai), são 180 os idiomas nativos.
A incerteza a respeito do número de línguas indígenas é fruto das dimensões continentais do país, de acordo com Benedito Prezia, pesquisador de historia indígena. “É difícil fazer um levantamento geral da população indígena, não sei se mesmo a Funai consegue ter dados precisos. O IBGE usou como critério uma abordagem nova, de autodeclaração. Então, precisamos esperar por dados mais detalhados”, avalia. Já Aryon Rodrigues demonstra certa incredulidade em relação aos números do IBGE: “A autodeclaração ressucitou muita línguas que não se falam mais”, critica.
Iniciativas de valorização dos idiomas têm sido tomadas, ainda que de forma pontual. Em Amambai, município de Mato Grosso do Sul, o idioma guarani caiová se tornou praticamente uma língua cooficial da cidade, devido à grande quantidade de índios na cidade. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), onde 90% dos habitantes são índios, desde 2002 são adotados como idiomas oficiais o nheengatu, o tucano e o baniua, além do português.
Em São Paulo, índios da etnia Caingangue que passam por avançado processo de diminuição da população e de perda do idioma nativo foram estimulados a ir ao Paraná, onde reaprenderam com parentes da etnia uma variante da língua nativa.
Incentivo à educaçãoPara ambos os pesquisadores, o principal caminho para a preservação dos idiomas passa pela educação. “O Estado tem investido muito na formação de professores indígenas, e, nesses cursos de capacitação, é dada ênfase ao estudo da língua, à compilação de textos e à produção de material, é um momento importante de retomada de várias línguas”, ressalta Prezia, que coordena o projeto Pindorama da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que dá acesso ao ensino superior a 60 estudantes de diferentes etnias indígenas de todo o Brasil.
Professor emérito da UnB, aos 89 anos, Aryon trabalha de graça na instituição e se orgulha de ter aprovado o primeiro programa de pós-graduação para índios do Brasil, que não exige conhecimento da língua inglesa como pré-requisito. “Na UnB, conseguimos fazer passar uma reflexão diferente, de que para aqueles que falam a língua indígena nativa, além do português, o inglês seria uma terceira língua, então é dispensado. Isso foi formalmente aprovado”, comemora.
Na visão de Prezia, a perda língua não significa a perda da identidade indígena: “O Nordeste tem a segunda maior população indígena do Brasil, mas somente um povo domina plenamente a língua nativa, os Fulni-ô. Nos outros prevalece o português, mas nem por isso eles deixam de ser índios”. Já para Aryon, a valorização das línguas nativas reforça a consciência sobre as tradições culturais. “Não é uma questão de língua apenas, é uma questão de cultura, de atitudes com respeito à vida toda”, conclui.
"O Nordeste tem a segunda maior população indígena do Brasil, mas só um povo domina a língua nativa. Nos outros, prevalece o português. Nem por isso deixam de ser índios”
Benedito Prezia,
pesquisador de história indígena (PUC-SP)
Idiomas próprios
Brasil
897 mil índios
Falam línguas próprias
37,4%
Não falam línguas indígenas
57,1%
Não falam português
17,5%
Em terras indígenas
57,3%
falam línguas nativas
Fora de terras indígenas
12,7%
falam línguas nativas
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01/05/2013 |
"É preciso cuidar da diversidade cultural"
Devemos prestigiar a diversidade linguística e cultural; quem tem de dizer o que é uma língua são os índios, e não linguistas ou antropólogos. A cada ano, se veem comunidades mais embranquecidas, índios vendo televisão, meninos dançando rap. Com isso, as línguas vão embora. As políticas públicas têm de dar meios para que os índios tenham consciência e trabalhem para o fortalecimento de suas línguas.
Ana Suely Cabral, linguista da UnB

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