![]() |
|
![]() |
26/05/2013 |
![]() |
FELIPE MORAES
ESPECIAL PARA O CORREIO
NAHIMA MACIEL
Você tem um livro premiado pelo Jabuti (A ignorância custa um mundo, em 2005) e, em novembro do ano passado, lançou a coleção de artigos O que o Brasil vai ser quando crescer? Em que você se baseia para defender seus argumentos sobre a economia da educação?
Tento mudar um pouco o eixo da discussão, muito povoada de achismos, opiniões, impressões, experiências pessoais e fazer com que seja pautada pelo que a literatura científica aponta. A economia da educação tem duas vertentes: uma é justamente essa, de usar a metodologia da econometria, medições de quantidade para lidar com variáveis educacionais, para entender o que importa e o que não importa, as variáveis correlacionadas com aprendizado — salário de professor e diretor, número de alunos em sala de aula; a segunda são as interconexões entre educação e economia, em como ela afeta crescimento econômico, desigualdade de renda, salário, crescimento macroeconômico.
Você se considera otimista em relação à qualidade da educação no Brasil?
Me considero realista. Nesse caso, infelizmente, o realismo te diz que a situação não é boa e é difícil de ser alterada. A razão principal da deficiência educacional é que não há demanda popular por melhorias na qualidade da educação. Há desconhecimento da maioria, especialmente dos pais que colocam os filhos em escolas públicas, da real qualidade das escolas. Vou em escolas que tem Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) 1 ou 2, que são um desastre, e você fala com os pais e eles dizem que são ótimas, bonitas. Como a população tem ela mesma déficit educacional grande, não consegue avaliar a educação do filho, se prende a variáveis materiais — transporte, uniforme, merenda. E os políticos espertamente investem nesse tipo de coisa e não na qualidade de ensino. É muito mais fácil comprar uniforme do que gerar ensino de boa qualidade. E, por outro lado, para gerar reforma completa e agressiva do sistema educacional, tem que comprar briga. É um conflito muito grande com as corporações, sindicatos e profissionais da educação, que estão obviamente satisfeitos com o status quo dentro do sistema e aprenderam a navegar dentro dele: sistema de baixa cobrança e qualidade e no qual se investe dinheiro. Não estou falando de todos, mas de organizações francamente contrárias a essas reformas. Toda liderança política bem intencionada com projeto ousado vai encontrar resistência dos profissionais e apatia de quem deveria estar feliz com a reforma — alunos e pais.
Qual seria a medida mais prática para despertar o espírito crítico dos pais?
Enquanto se está num sistema democrático, e espero que estejamos sempre, a ação política é determinada grosso modo pela demanda popular. E, por outro lado, existe grupo de interesse numeroso — 5 milhões de profissionais de educação, entre professores e demais funcionários —, importante para qualquer político e eleição. Com população que desconhece a realidade e grupo de pressão numeroso e organizado, a tendência é que as mudanças demorem. Por isso apoio esse projeto que coloca placa do Ideb nas escolas. É um termômetro gráfico, no qual o sujeito bate o olho e sabe de imediato qual a real qualidade da escola do filho. A escala de zero a 10 é uma coisa que qualquer pessoa entende. A expectativa é que ao ver isso o pai se torne um pouco mais indignado e também reconheça as boas escolas. Esse é outro problema. Tem muita escola boa, professor tirando leite de pedra, e ele cai na vala comum. Precisamos cobrar dos estabelecimentos e profissionais que não trabalham bem, mas valorizar e estimular as escolas boas, entender o que os professores fazem de diferente, ver o que eles fazem e o que pode ser adaptado.
Por que o aumento de salário provoca resultado tão ínfimo na qualidade do ensino?
Você define a qualidade de ensino pelo resultado de testes como Prova Brasil, o SAT nos Estados Unidos e outras dezenas que medem isso. As variáveis são comparadas para entender quais são e não são relevantes. E uma dessas é o salário de professor. Você coloca num mecanismo chamado análise de regressão, componente básico da estatística da econometria, que permite identificar quais das variáveis são estatisticamente significativas. E o salário entra num bojo de variáveis, como nível de renda, escolaridade dos pais, estrutura da escola, tudo que é relevante para a educação. Quando mexe com uma delas, mexe também com o resultado dos alunos, e tudo isso baseado num banco de dados de observação reais, centenas de milhares ou, em casos, milhões de alunos e professores que fazem provas e preenchem questionários. Quando comecei a ler as pesquisas, achei que estava errado. Li, e não são todas, mas a esmagadora maioria mostra que essa variável é irrelevante, não é significativa e não causa melhorias no ensino.
E o que importa?
O que importa não é o salário do professor, mas qualificação, treinamento, conhecimento, organização da escola. E o salário é a única luta de classe. É uma categoria numerosa e vocal e a única coisa que falam é no salário. Qualquer categoria tem direito de pleitear melhores condições. As pessoas que têm conhecimento e sabem dessa irrelevância se sentem constrangidas de vir a público. Quando vêm, são muito atacadas e agredidas. No meu caso, não vivo de educação, faço isso com espírito público, é o que gostaria de dar de contribuição para o país. As pessoas acham que é minha opinião, que não gosto de professor, que tive experiência traumática na infância. E é lógico que não. Só posso falar isso porque estudei. Agora já estou com lombo curtido, mas entendo porque outras não querem vir a público falar sobre isso. A discussão é monocórdia, só se ouve o papo dos sindicatos e professores, e não a informação fundamental de que essa discussão é improdutiva, porque qualquer pessoa acha que seu salário é baixo. O que me interessa é: aumentando o salário, melhora-se a qualidade da educação e o aprendizado? E a resposta categoricamente é não.
Há solução para essa refrega por reajuste salarial?
A questão do salário é realismo mágico, de achar que no momento em que o professor tiver salário maior, ele vai virar um superprofessor, ou que no momento em que pagar mais pessoas qualificadas vão se tornar professores. Hoje, quem está no magistério vem de um péssimo sistema educacional quando era aluno, de uma péssima faculdade de educação, pedagogia ou licenciatura, e está num sistema com estabilidade, é concursado e não tem motivação para ser bom professor. Se você me der agora R$ 200 mil para fazer uma operação de ponte de safena, o paciente vai morrer. Pode me dar R$ 200, R$ 500 mil ou R$ 1 milhão. Não existe nem muita lógica de que se mudar o salário haverá salto de qualidade. Nem nisso de que pagar mais vai atrair outras pessoas. Esses professores são concursados. Você vai mantê-los numa sala sem fazer nada e chamar outras pessoas para os cargos? Para contratar essas pessoas, vindas das chamadas profissões de elite — advogado, médico —, tem que pagar quatro, cinco vezes mais. Qual é o orçamento público que comporta isso? A Constituição diz que 25% do orçamento de estados e municípios têm que ser gastos em educação. Desses 25%, normalmente 80% vai para remuneração dos profissionais. 80% de 25% é 20%. Se você diz que tem que dobrar salário do professor, você fala de 20% para 40% — triplicar, de 30% para 60%. Isso tudo é papo, a pessoa não senta, não faz conta, não entende qual é o problema. Professor ganha pouco e tem que ganhar mais. Tem uma lógica nisso, ok, mas esse não é o problema e não vai ser o resultado.
O sistema de cotas chega a ser uma solução para as universidades? Uma dos aprovados no vestibular de medicina da UnB nos informou que não cotistas passaram com nota superior a 400, enquanto cotistas foram aprovados com pouco mais de 70 pontos.
Setenta? Não pode ser. Enfim, não conheço o dado, não vou comentar se ele é meio leviano. Nem o mais ferrenho defensor acha que as cotas vão melhorar a qualidade do ensino. A cota é uma maneira de usar a educação para gerar justiça social e oportunidades para quem não tem. Não deve ser pensada como política para melhorar a educação, mas como política social. Eu, pessoalmente, enquanto é de critério social, de fazer com que populações pobres tenham acesso a universidade, por princípio, sou favorável. Depois do princípio, tem que checar na prática. Se a entrada desse grupo com nível educacional muito abaixo gerar perda expressiva na qualidade tem que sentar e repensar. Porque não estamos na posição de piorar ainda mais o sistema educacional. Não sou favorável à cota racial, e por princípio mesmo. Fazer discriminação racial, quer seja negativa ou positiva, é ruim.
Explique melhor, por favor...
A base da democracia é a isonomia, quer sejam as pessoas negras, brancos ou índios. Acho antirrepublicano, antidemocrático e também ilusório. A razão pela qual não existem mais negros e indígenas nas universidades não é porque existe preconceito institucionalizado. É porque o sistema de educação de base brasileira é desleixado, ruim e, enquanto existir essa baixa qualidade, as pessoas não vão chegar à universidade. Não precisa facilitar o acesso, mas corrigir o problema na base e fazer com que o negro e o pardo entrem sem precisar de cota. Num primeiro momento, se você me disser cota e ao mesmo tempo prometer atuação para melhorar o ensino fundamental, eu até repensaria. Mas o que acontece é que vamos deixar as pessoas chegarem com nível ruim e facilitar a entrada e depois posar de bonzinhos e preocupados, querendo acabar com o racismo no Brasil e dar mais oportunidades. É demagogia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário