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sábado, 30 de março de 2013

Opinião: Uma escola sem receita




"O aluno que inseriu na redação do Enem a receita do miojo deixou um recado claro: a receita de escola desandou", Afirma Rosiska Darcy de Oliveira Fonte: O Globo (RJ)

30 de março de 2013



No passado a Escola era um espaço físico, dedicado à aquisição de conhecimentos certificáveis, que só os Professores detinham. O Professor era um profissional supostamente capaz de saber o quê e como ensinar. Os ritmos Escolares balizavam o tempo desse aprendizado que se sucedia ao longo de anos. Todas essas premissas estão postas em questão.
Enquanto a Escola pública tenta compensar suas imensas deficiências construindo prédios, aumentando matrículas e o número de Professores em sala de aula, condição sine qua non de qualquer progresso, o que se passa dentro dos muros da Escola entre Alunos e Professores é desolador. O episódio da receita do miojo, temperada com pitadas de deboche e altas doses de descrença, é testemunha desse descalabro.
Uma mudança de era deu lugar a um abismo geracional que separa Professores e Alunos, minando as relações de admiração e respeito que, no passado, estimulavam o desejo de aprender. Os Professores estão hoje a cavaleiro entre dois tempos; um passado em que conteúdos eram transmitidos de uma forma que hoje chamaríamos tradicional; um presente em que os Alunos, digitais nativos habitam, fascinados, o espaço virtual como vida real e são habilíssimos em tecnologias que os Professores mal dominam.
Quando todos os Alunos frequentarem as aulas, quando houver Professores suficientes, recebendo um salário decente, ainda restará a incômoda questão do que lhes ensinar. Um livro de respeitáveis pesquisadores franceses ostenta o título inquietante: "Ainda é preciso aprender?"
A virtualidade é o meio ambiente de uma juventude portadora dessas próteses cerebrais que são os celulares, prolongamentos de seus corpos, onde trazem armazenada - Google dispensando o trabalho da memória - toda a informação do mundo. Fotografam tudo que se passa como que deixando provas tangíveis do que é vivido em tempo real, marcando o instante, sem apelo à abstração da memória, seus caprichos e brumas. Como tudo é registrado sem esforço, é o próprio esforço que se torna um comportamento raro e desvalorizado, o que representa um perigoso efeito colateral. Entre Alunos e Professores há distância e estranhamento. Por vezes, agressividade.
A pletora de informações que cada um acessa quando tira o celular do bolso não implica que os jovens tenham a mínima ideia do que fazer com elas ou, pior, que saibam a diferença entre informação e conhecimento. A aquisição de conhecimento depende do desenvolvimento de aptidões mentais e do domínio dos códigos culturais que permitem navegar com alguma coerência em um oceano de informações desgarradas. As informações disponíveis na internet são um tesouro literalmente incomensurável. Problemática é a exígua capacidade de processá-las e lhes dar algum sentido.
Assim como a palavra ganha seu sentido no texto e o texto ganha sentido em um contexto, a informação pede para se inserir em um patrimônio cultural que caberia à Escola transmitir. A contextualização é condição da função cognitiva ao mesmo título que a consciência de ter aprendido, tão cara ao grande Jean Piaget.
É a transmissão do patrimônio cultural e de valores que dão à juventude o sentido de pertencimento à aventura humana e estabelecem os vínculos de continuidade entre as gerações que se sucedem. Tarefa essencial em tempos moldados e irrigados pela tecnologia que permite a cada um construir um mundo próprio - o que pode ser uma rica experiência se conectada a um pertencimento mais amplo - mas pode ser também o deslizamento para uma forma velada de antissociedade, um aglomerado de indivíduos autorreferentes cuja comunicação não passa por uma experiência ou memória comum e se tece apenas com os laços esgarçáveis da banalidade.
O desafio da Educação é a formação de indivíduos aptos a pensar pela própria cabeça, capazes de transformar informações em conhecimentos, abertos à inovação e experimentação, afeitos à argumentação e escolha. O que Edgar Morin chama "uma cabeça bem feita".
A vida em tempos de internet exige da Escola uma metadisciplina, o aprender a aprender. Quem serão os Professores dessa Escola aberta ao desconhecido, sob forma de pesquisa, e ao inesperado, sob forma de criação?
Não há receita pronta de Escola e sim ingredientes a combinar: a aquisição de conteúdos específicos com o aprendizado de competências transversais que permitam aos jovens dar sentido a si mesmos e a um mundo em que terão vida longa e as certezas curta vida. 

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