Na essência
da política de cotas há um aspecto que exaspera seus
adversários: um estudante que vai para o vestibular sem qualquer
incentivo de ações afirmativas tira uma nota maior que o
cotista e perde a vaga na universidade pública. Quem combate esse
conceito em termos absolutos é contra a existência das cotas,
cuja legalidade foi atestada pela unanimidade do Supremo Tribunal Federal e
aprovada pelo Congresso Nacional (com um só discurso contra, no
Senado). É direito de cada um ficar na sua posição,
minoritária também nas pesquisas de opinião.
Uma coisa é
defender as cotas quando a distância é pequena, bem outra
seria admitir que um estudante que faz 700 pontos na prova deve perder a
vaga para outro que conseguiu apenas 400. O que é diferença
pequena? Sabe-se lá, mas 300 pontos seria um absurdo.
Os
adversários das cotas previam o fim do mundo se elas entrassem em
vigor. Os cotistas não acompanhariam os cursos, degradariam os
currículos e fugiriam das universidades. Puro catastrofismo
teórico. Passaram-se dez anos, e Ícaro Luís Vidal, o
primeiro cotista negro da Faculdade de Medicina da Federal da Bahia,
formou-se no ano passado e nada disso aconteceu. Havia ainda também
as almas apocalípticas: as cotas estimulariam o ódio racial.
Esse estava só na cabeça de alguns críticos, herdeiros
de um pensamento que, no século 19, temia o caos social como
consequência da Abolição.
Mesmo assim,
restava a distância entre o beneficiado e o barrado. O Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais divulgou uma pesquisa que foi
buscar esses números no banco de dados do Sistema de
Seleção Unificada (Sisu). Neste ano, as cotas beneficiaram 36
mil estudantes. Pode-se estimar que em 95% dos casos a distância
entre a pior nota do cotista admitido e a maior nota do barrado está
em torno de 100 pontos. Em 32 cursos de medicina (repetindo, medicina) a
distância foi de 25,9 pontos (787,56 contra 761,67 dos
cotistas).
O Inep listou as
vinte faculdades onde ocorreram as maiores distancias. Num caso extremo
deu-se uma variação de 272 pontos e beneficiou uns poucos
cotistas indígenas no curso de história da Federal do
Maranhão. O segundo colocado foi o curso de engenharia
elétrica da Federal do Paraná, com 181 pontos de
diferença. A distância diminui, até que, no 20º
caso, do curso de ciências agrícolas de Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Federal do Rio Grande
do Sul, ela ficou em 128 pontos.
Pesquisas futuras
explicarão como funcionava esse gargalo, pois se a distância
girava em torno de 100 pontos, os candidatos negros e pobres chegavam
à pequena área, mas não conseguiam marcar o gol.
É possível que a simples discussão das
ações afirmativas tenha elevado a autoestima de jovens que
não entravam no jogo porque achavam que universidade pública
não era coisa para eles. Neste ano, 864.830 candidatos (44,35%)
buscaram o amparo das cotas.
A política
de cotas ocupou 12,5% das vagas. Num chute, pode-se supor que estejam em
torno de mil os cotistas que conseguiram entrar para a universidade com
mais de cem pontos abaixo do barrado, o que vem a ser um resultado
surpreendente e razoável. O fim do mundo era coisa para inglês
ver.
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