PESQUISA

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pesquisa universitária para empresas deve ser autônoma, diz professor
Ana Carolina Moreno - G1 Globo.com 30/05/2012 - Rio de Janeiro, RJ
Charles Eesley, professor da Universidade Stanford, que fica na Califórnia, nos Estados Unidos, defendeu na terça-feira (29), em São Paulo, a aproximação da academia e do setor privado para a produção de pesquisas inovadoras, mas alertou para a necessidade de limites bem estabelecidos para evitar que essas parcerias acabem com a autonomia universitária.
Ele foi um dos palestrantes do 10º Fórum Universitário Pearson, que neste ano teve como tema a inovação e o empreendedorismo no ensino superior. Eesley, que há três anos dá aulas de empreendedorismo em tecnologia, apresentou histórias de sucesso de Stanford e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) na área. Segundo o professor, com o apoio e incentivo da universidade, ideias elaboradas pelos estudantes têm potencial para se tornarem produtos lucrativos e inovadores.
O Google é um dos maiores exemplos recentes de sucesso derivado, parcialmente, à estrutura que Stanford oferece ao desenvolvimento de ideias de seus estudantes. Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do gigante de buscas, se conheceram em 1995, quando ambos eram estudantes de Stanford. A primeira ideia que tiveram era criar um sistema de buscas para a biblioteca da universidade, usando algoritmos.
Depois, criaram o Pagerank, um buscador para toda a internet. Stanford, além de incentivar o espírito empreendedor de Page e Brin, ainda hospedou o Pagerank durante um ano em seu servidor, ajudou a dupla a conseguir a patente do produto, por meio do Escritório de Licenciamento em Tecnologia, e intermediou o investimento de um ex-aluno e um professor de Stanford no projeto. Em 2011, diz Eesley, o Google teve receita de US$ 37 bilhões (mais de R$ 70 bilhões).
A universidade, segundo ele, recebe entre 1% e 10% dos royalties durante um certo período sobre as patentes de invenções criadas pelos estudantes. Em Stanford e no MIT, a aproximação com empresas também ajuda a formar universitários `úteis`, capazes de se adaptar às demandas do mercado. `A indústria deve ser vista como uma fonte de soluções de problemas e desenvolvimento, e não primariamente dinheiro`, afirmou. As pesquisas aplicadas que podem servir ao mercado inspiram inovações dentro do ambiente universitário. Mas o professor alertou, em entrevista ao G1, que essa aproximação deve ser cuidadosa e manter limites, para que a instituição não vire um laboratório aplicado, não caia em conflitos de interesse - como o pagamento direto de indústrias farmacêutcias a cientistas que conduzem pesquisas clínicas - e siga investindo em pesquisa básica, com resultado incerto. Leia a entrevista:
Qual é a maior desvantagem de aproximar a universidade do setor privado?
A principal preocupação que as pessoas devem ter é se distrair da pesquisa mais básica e se dedicar só à pesquisa aplicada. Alguém tem que fazer a pesquisa básica, que dificilmente é feita pela indústria porque custa caro e os benefícios são de muito longo prazo, além de ser difícil prever se serão úteis. A pesquisa básica poderá ser útlimo só daqui a 20 anos.
Como as universidades podem evitar resultados negativos dessas parcerias?
A universidade deve ter muito cuidado com quais projetos ela decide levar a cabo em parceria com empresas. Ela precisa negociar fortemente em alguns termos, e apenas aceitar projetos que se alinham com sua missão, que não contenham termos como restrições ou adiamento em publicações, patentes em invenções desenvolvidas subsequentemente ao trabalho que é feito. Elas devem estar bem educadas nas formas e tipos de relações com as emrpesas.
Quem busca essas parcerias, os professores ou um departamento específico?
É uma mistura dos dois, no fim do dia o corpo docente deve ser independente. É ótimo que os professores tomem a iniciativa de buscar parcerias, mas nem sempre eles têm o contato. O que geralmente acontece em Stanford e no MIT é que o dinheiro passa por um escritório centralizado, que garante que o financiamento da pesquisa vai ter transparência, e também acaba centralizando a negociação destes contratos.
O sucesso do Google mudou a forma como Stanford vê o empreendedorismo dos alunos?
Eu não acho que a experiência do Google mudou as coisas de forma significativa. Já tivemos experiências anteriores. Na verdade, o Centro de Música Eletrônica de Stanford é o principal inventor e comerciante do campus. Um professor de lá foi quem criou o primeiro sintetizador, nos anos 1970, essa foi uma invenção extremametne bem sucedida em termos de comercialização. Acho que a experiência do Google contribuiu em nos lembrar de respeitar os empreendedores, e garantir que os estudantes recebam ajuda. Sempre que um aluno entra na minha sala com uma ideia maluca, sempre tenho em mente o pensamento de que esse pode ser o próximo Google. Quando eles forem bem sucedidos, eles vão lembrar de como nós os tratamos no começo.
Qual é o retorno financeiro desse tipo de incentivo?
Talvez nem tanto em Stanford, mas em outras universidades, quando vou falar sobre a experiência, noto que talvez exista uma desvantagem sobre o sucesso do Google. Você começa a pensar que o Escritório de Licenciamento em Tecnologia deve se tornar uma fonta de lucro para a universidade. Acho que essa é a atitude errada, você não deve pensar na quantidade de dinheiro que você ganha, mas sim na quantidade de tecnologia que é transferida. E deve esperar que os futuros` Googles` acabaram dando dinheiro de volta à universidade. É caro manter um escritório desses, com todos os advogados trabalhando para tirar todas essas patentes, até em Stanford e no MIT esses escritórios são mantidos principalmente por duas ou três grandes patentes. Não é o caso de tentar conseguir a maior fatia do negócio, mas de construir relacionamentos a longo prazo. Se o escritório acabar sendo um gasto, e não uma fonte de lucro, tudo bem, porque vai valer a pena no futuro.
Como é possível conseguir retorno financeiro dos ex-alunos?
O relacionamento é um ponto chave. Você não consegue fazer um ex-aluno de repente decidir doar US$ 10 milhões para a universidade. Isso só acontece quando eles têm algum tipo de relacionamento, quando são chamados de volta ao campus para atuar como mentores de estudantes, quando são nomeados para conselhos consultivos, quando são convidados a continuar fazendo parte da universidade. Fiquei surpreso em uma visita a uma universidade da China, quando vi que eles não mantinham um banco de dados atualizado dos ex-alunos. Essa é a chave do reino, ter uma associação de ex-alunos forte, que mantenha o vínculo, para que o ex-aluno não pense que a universidade só liga para ele para pedir dinheiro.

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