Dever de casa, da escola e da família
Correio Braziliense, 30/01/2012 - Brasília DF
Correio Braziliense, 30/01/2012 - Brasília DF
O que leva a classe média a matricular os filhos na rede pública? Principalmente, a busca por uma experiência de vida rica e com responsabilidades compartilhadas
Gustavo Torres Falleiros / Maria Júlia Lledó
Parceria - A Associação de Pais e Mestres (APM), a Associação de Pais, Alunos e Mestres (Apam) e a Caixa Escolar são entidades legalmente constituídas pelas comunidades escolares sob a forma de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos. Elas têm como objetivo auxiliar na administração escolar, participar de reuniões de planejamento, captar recursos financeiros para prestar assistência suplementar e/ou emergencial à escola, receber, executar e prestar contas dos recursos financeiros, além de promover e apoiar atividades socioculturais. A Secretaria de Educação do DF destina à APM, à Apam ou à Caixa Escolar o equivalente a R$ 45 por aluno. Os filhos são nossos, mas também são do mundo. A forma de educá-los é decisão de cada família, mas, às vezes, esquecemos que parte da aprendizagem é compartilhada com a escola. Exagerando, podemos dizer que a sociedade inteira tem o que ensinar, incluindo os outros pais, os coleguinhas e os professores. É estranho, portanto, que a gente nunca se pergunte: Quem é o dono do giz? E a lousa, é de quem? A quadra de esportes é de todos?
Há uma parte tímida da classe média disposta a pedir de volta o direito de matricular os filhos em uma escola pública de qualidade. Essa minoria não fica de braços cruzados e se sintoniza com as questões da comunidade escolar para que a formação dos filhos não dependa somente de verbas atrasadas ou projetos educacionais engavetados. Proativos, eles pretendem dar uma nova cara à instituição bordada por índices deficientes de qualidade. Assumem a responsabilidade de zelar pelo bem público e auxiliar a escola como coadjuvantes de destaque. Mas quem são esses pais? O que eles fazem pela escola pública?
Direito garantido - Na Escola Classe da 304 Norte, o barulho que se escuta pelos corredores não é dos alunos, que ainda aproveitam as últimas semanas de férias, mas de pintores deslocando as escadas para alcançarem todos os espaços que precisam ser retocados antes do início das aulas. Lá fora, funcionários da Novacap retiram o capim da quadra de futebol e aparam os galhos que ameaçam cair no pátio. Enquanto a escola se prepara para mais um ano letivo, a empresária Angélica Brunacci, 33 anos, conversa com os funcionários, se dispõe a ajudar, faz sugestões sobre as mudanças e observa as melhorias do lugar onde a primogênita Sofia, 8 anos, estuda.
Angélica e o marido, o tecnólogo Diego Viegas, 31 anos, participam de cada decisão tomada pela escola. Postura que transforma o ensino público em algo bem diferente do quadro de descaso pintado por muitas instituições. Parte desse sucesso antecede a participação do casal e de outros pais cujos filhos estudam em escola pública. Pai de Angélica, o economista Gilson Duarte, 61, por exemplo, já foi presidente da Associação de Pais e Mestres (APM), durante a década de 1980, onde a filha estudou e hoje a neta estuda. Para manter a qualidade pela qual os pais e tantos outros pioneiros batalharam para conquistar, Angélica segue os mesmos passos. A empresária participa da APM porque acredita que uma atitude proativa dos pais seja fundamental para o êxito do ensino público. Além de participar de conselhos e reuniões da comunidade, o casal reserva algumas horas da semana para ir à escola e realizar atividades extras. Caso do laboratório de informática que Diego instalou e para o qual presta assistência. Angélica também ministrou uma oficina sobre segurança na internet. “Ninguém te cobra para ser participativo, mas se um pai domina a parte elétrica, ele vem ajudar da mesma forma que outro pai, serralheiro. A escola pública é assim: uma via de mão dupla”, diz Angélica.
Apesar de se juntar a outros pais de classe média cujos filhos estão matriculados na escola classe, a empresária desconhece a existência de uma rede organizada de pais em prol do ensino público. Angélica observa, porém, que tal envolvimento nas atividades pedagógicas passa a ocorrer a partir do momento em que pai e mãe matriculam os filhos no ensino público e se tornam parte da comunidade escolar. “Acho que tudo parte do seguinte princípio: quando a classe média abandona o serviço público, ele fica caracterizado como ‘para pobre’. E não é. É um serviço pelo qual todos pagamos por meio de impostos.” Para matricular a filha, Angélica adotou o procedimento padrão. Ligou no Telematrícula, número 156. Outros pais, cujos filhos já estão no ensino público, têm a vaga do próximo ano automaticamente garantida. Responsável pelo ensino fundamental de 320 alunos — entre esses, 30 têm necessidades especiais —, a Escola Classe da 304 Norte é um exemplo de que, com o envolvimento de pais e/ou familiares, somado à administração da escola, o ensino público pode avançar. Principalmente como espaço democrático, onde alunos de diferentes estratos sociais convivem, brincam e estudam.
Sofia não vê distinções entre os coleguinhas, ainda que muitos experimentem uma realidade bem diferente da menina de classe média. “Andamos com ela de ônibus e explicamos, à medida que nos questiona, como é a vida de algumas amigas da escola ou por que não é asfaltada a frente da casa da amiga. Queremos preparar nossas filhas para o mundo”, diz Diego. Além de Sofia, Laura, de 3 anos, deve entrar na mesma escola em breve. Hoje, a caçula estuda na Vivendo e Aprendendo, uma associação sem fins lucrativos mantida pelos pais dos alunos. Outra diferença no dia a dia de Sofia é que ela não demanda brinquedos ou gadgets como outras crianças da sua idade. O celular só é usado quando a menina tem aula de ginástica acrobática no Centro Interescolar de Educação Física (Cief), também público. A mochila não é “da moda”. Nem por isso, ela sente falta. Tampouco sofreu bullying por ser de classe média. Nem os pais foram questionados por outros de menor poder aquisitivo sobre a vaga que a menina ocupa numa escola pública, sendo que o casal teria condição financeira de matricular a menina numa particular. Por apostar numa educação diferenciada, em que precisam acompanhar diariamente o desenvolvimento das filhas em casa e na sala de aula, Angélica e Diego travam outra briga. Dessa vez, está em xeque o preconceito. “Já fomos recriminados por gente que tem condição financeira pior que a nossa”, lembra Angélica. “Falam que não estamos dando o melhor para nossas filhas”, conta Diego. Mesmo assim, eles não se arrependem da escolha, ainda que tenham cogitado matricular as meninas em um colégio particular. Eles desistiram por não encontrar nenhuma escola onde pudessem acompanhar tão de perto a formação da filha e participar das decisões da escola. Para o casal, a opção pelo ensino público só valerá a pena enquanto for benéfica à formação das filhas. “O bem-estar das meninas vem antes. Não tenho esse absolutismo ideológico”, destaca Diego.
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