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Data:
18/10/2010
Veículo: ÉPOCA
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Por que
tantas cidades preferem pagar para usar sistemas de ensino no lugar dos
livros didáticos gratuitos - e o que isso revela sobre a educação pública
Camila Guimarães
Livro didático ou apostila? O que funciona mais
na hora de ensinar crianças do ensino fundamental? A polêmica existe há algum
tempo, mas ganhou força recentemente depois que o Ministério da Educação
(MEC) divulgou pela primeira vez quais cidades dispensaram o livro didático,
oferecido gratuitamente pelo governo. Só no Estado de São Paulo foram 143
municípios - 22% do total. A maioria deles optou pelos sistemas de ensino
oferecidos por empresas privadas como COC, Positivo e Objetivo, os mesmos
usados em algumas escolas particulares.
De acordo com uma recente pesquisa da Fundação
Lemann, instituição que promove a excelência na gestão da educação, o número
de cidades paulistas que adotaram os sistemas de ensino em suas escolas quase
dobrou entre 2005 e 2008.
A intenção de tantas cidades, ao dispensar o
livro gratuito e desembolsar algo em torno de R$ 300 por aluno, é melhorar
suas posições no Índice de Desenvolvimento na Educação Básica (Ideb). A
cidade campeã do ranking nacional divulgado neste ano, a paulista Cajuru, usa
esse tipo de material. Melhorar a nota dos alunos e a posição das escolas na
lista é o principal argumento da propaganda das empresas que produzem os
sistemas estruturados. Há uma base para essa crença.
Uma pesquisa da Fundação Lemann publicada
recentemente diz que 25% a mais de crianças são levadas ao nível adequado de
proficiência em matemática e leitura nas escolas municipais paulistas que
usam o material alternativo (leia o quadro abaixo). Esse material não se
limita às apostilas. Acoplados a ela vêm o livro do professor, uma equipe
técnica de educadores para treinar os professores no uso do material e fazer
um acompanhamento das aulas e, em alguns casos, um portal na internet, onde
alunos e professores desenvolvem atividades complementares às da sala de
aula.
O uso das apostilas, porém, está longe de ter
aceitação unânime. Uma corrente de educadores as considera simplificadoras da
realidade das aulas, com um possível efeito nefasto de "robotizar"
os professores. Um poderoso argumento contra o sistema estruturado é que ele
não é usado de forma abrangente em nenhum dos países com melhores resultados
no ensino. Por que então seriam a solução no Brasil?
Essa discussão camufla o fato de que nem a
apostila nem o livro didático, isoladamente, determinam se um aluno aprende
mais ou menos. Há fortes indícios de que os sistemas de ensino funcionam por
motivos que vão além da qualidade técnica. Nas cidades paulistas que usam o
material apostilado há pelo menos cinco anos, o aparato que vem junto - e a forma
como a rede se organiza para usá-lo - explica melhor por que algumas
conseguem ganhar posições no Ideb. Esse aparato acaba organizando a casa: da
sala de aula às estratégias de política pública da cidade. "A discussão
que vale a pena é sobre a constatação do caos na escola pública", diz
Paula Louzano, economista responsável pela pesquisa da Fundação Lemann.
"Ele é tão grande que, com o mínimo de organização e um material
minimamente estruturado - e às vezes de qualidade duvidosa -, os alunos
aprendem mais."
Além de a apostila servir como uma espécie de
currículo, cada aluno pode ter a sua.Não é que as apostilas sejam excelentes - em
muitos casos elas são fracas -, mas, em relação ao desastre do ensino em
geral, elas se destacam. Para começar, as apostilas são usadas como plano de
aula dentro das classes. O conteúdo é apresentado como um passo a passo, tem
a linearidade que o livro didático não traz (porque é usado de outra forma) e
de algum modo obriga o professor a não pular etapas. Junte-se a isso o acompanhamento
que é feito pela equipe técnica das empresas de ensino e chega-se a uma
fórmula que completa o que falta na formação dos professores.
"As apostilas norteiam meu trabalho, fica
bem mais fácil planejar as aulas", diz Carla Bortoluci, professora de
matemática para alunos de 5a a 8a série na rede municipal de Itapeva, São
Paulo. Outra vantagem: fica mais fácil acompanhar e cobrar do professor a
matéria que deve ser dada.
Além de a apostila servir como uma espécie de
currículo a ser seguido, cada aluno tem a sua - uma "regalia" nem
sempre garantida pelo livro didático. Primeiro, porque o número de livros
entregue não bate com o número de crianças, já que o MEC se baseia no censo
escolar do ano anterior para calcular a entrega. Segundo, porque o livro
didático não é consumível em algumas das séries do ensino fundamental. Ele
não pertence ao aluno. Por isso, não pode ser levado para casa. O livro fica
na escola para ser usado por alunos de outro período. Com seu próprio
material, a criançada não perde tanto tempo fazendo anotações no caderno e
sobram minutos valiosos para prestar atenção no que o professor diz.
Exercícios e lições de casa feitos na própria apostila ajudam o professor a
enxergar falhas no aprendizado. "Eu tenho mais visibilidade de onde cada
um vai mal, em comparação com o colega do lado", afirma Carla. "E a
partir daí vou procurar exercícios extras ou outras atividades para reforçar
a lição, sem precisar ficar presa na apostila."
Mesmo quem usa o livro didático aponta a vantagem
de ter uma apostila por aluno. Diadema, cidade da Grande São Paulo que optou
pelo livro didático, decidiu desembolsar dinheiro para comprar livros extras,
de modo a complementar a encomenda do MEC e distribuí-los a todos os alunos
(mesmo pagando até cinco vezes mais do que o MEC paga s por livro).
"Anotações no caderno geram perdas pedagógicas significativas, porque
interferem na organização do tempo da aula", afirma Lúcia Couto,
secretária de Educação da cidade.
Fora da sala de aula, o sistema de ensino ajuda a
organizar a política de educação das redes, que muitas vezes não têm
planejamento claro e objetivo. Um dos principais motivos dos gestores das
redes para adotar as apostilas é fazer todas as escolas trabalhar com o mesmo
material. Isso facilita a formatação de cursos de treinamento de professores.
Em Itapeva, a Secretaria tem um centro de formação de professores que
trabalha junto com a equipe de educadores do sistema. "O grande desafio,
independentemente do material usado, continua sendo a formação do professor",
diz Selma Cravo, secretária de Educação de Itapeva, que também usa o livro
didático, mas para as séries iniciais do ensino fundamental. A cidade está
entre as melhores notas do Ideb de sua região.
O argumento pedagógico por trás dessa estratégia
é que, quando há alinhamento entre o conhecimento do professor e o conteúdo
do material didático, o desempenho do professor melhora. "As apostilas
não são perfeitas", diz Paulo Magri, secretário municipal de Novo
Horizonte, São Paulo, que as usa desde 2005. "O que faz diferença é
acompanhar o desempenho das escolas e dos professores." Novo Horizonte
tem o segundo melhor Ideb de 5a a 8a série do Estado e o quinto do país. Nas
séries iniciais, sua nota é 6,5, maior do que a meta para 2021. Isso funciona
também para quem usa o livro didático. Em Jacareí, que usa o material do MEC,
o secretário de Educação emplacou uma resolução municipal para garantir que
todas as escolas encomendassem ao governo o mesmo livro didático para cada
série e cada disciplina. A escolha foi feita em um fórum com todos os
representantes das escolas municipais, que levaram a plenário as escolhas de
seus professores. "O ganho no gerenciamento pedagógico é
gigantesco", diz o secretário João Roberto de Souza. A melhora de
Jacareí no Ideb neste ano foi acima da média nacional.
Para muitos educadores, isso também é discutível.
"A formatação das aulas para melhorar o uso do tempo dentro da sala é
uma resposta pedagógica pobre para o aprendizado", diz Romualdo Portela,
professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). O
grande receio é em relação à padronização do ensino. "O risco é ignorar
as diferenças entre escolas e dentro de uma mesma escola", diz Theresa
Adrião, da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp).
Theresa pesquisou o avanço do uso dos sistemas de ensino nas escolas
municipais de São Paulo e chegou a uma conclusão oposta à dos gestores que
defendem as apostilas. "O desempenho do professor é prejudicado. Quanto
mais o professor for "desresponsabilizado" de sua tarefa, dado que
tudo vem programado por terceiros, menos dele a sociedade poderá
exigir."
O que todos parecem concordar é que as apostilas
não são a solução definitiva para melhorar a qualidade do ensino público. Não
há casos em nenhum lugar do mundo de países que melhoraram sua educação
usando materiais estruturados. "É claro que é um remendo", diz
Paula, da Fundação Lemann. Mas, enquanto o país não investe o suficiente na
formação para professores e gestores da educação, é natural que as redes de
ensino busquem o razoável para combater o péssimo.
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Este Blog disponibiliza um acervo com o noticiário sobre as políticas educacionais brasileiras. É parte do Projeto de Extensão Políticas Educacionais na Imprensa Brasileira, coordenado pelo professor Armando C. Arosa, desenvolvido junto ao PROEDES - da UFRJ - O projeto teve início em abril de 2012 e encerrado em janeiro de 2018. Contato-ufrj.proedes@gmail.com ou armando.arosa.ufrj@gmail.com
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segunda-feira, 18 de outubro de 2010
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